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Leandro Karnal

Sabedoria rápida

Resolvemos a tensão "espremendo a vida e o mundo em ideias comoditizadas e concisas, categorias reducionistas (...) e narrativas pré-empacotadas

08 de Abril de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / "CISNES REFLETINDO ELEFANTES" - SALVADOR DALÍ (1937))

 

Os gregos usavam o conceito de definição breve, do qual deriva nossa palavra aforismo. Hipócrates, o pai da medicina, dizia no seu primeiro aforismo: “A vida é breve, a arte é longa, a ocasião fugidia, a experiência enganosa, o julgamento difícil”. O médico da ilha de Cós sintetizou muito em poucas palavras. A tradição latina resumiu ainda mais: Ars longa, vita brevis (o total de conhecimentos supera o tempo de uma vida, sempre).

Aforismos fazem sucesso, pois resumem muita coisa em sentenças curtas. São os haicais da Moral, da Filosofia e da Ciência. Nassim Nicholas Taleb (1960) resolveu reunir muitos na obra: “A cama de Procusto - Aforismos filosóficos e práticos” (ed. Objetiva).

O intelectual de origem libanesa, formação francesa e vida profissional nos EUA é homem de engenho raro. Ficou conhecido entre nós pelo livro “A lógica do cisne negro” (The black swan, 2007) e, também, pela obra “Antifrágil” (Antifragile: Things that gain from disorder, 2012). Sua análise enfatiza muito sobre a volatilidade e o imprevisto e como devemos trabalhar para obter benefícios a partir disso.

Os aforismos trazem um pouco da frônese, a sabedoria prática. O texto desconfia do campo especulativo e sobram frases contra o mundo acadêmico tradicional. Alguns exemplos? “A educação torna o sábio ligeiramente mais sábio, mas torna o tolo tremendamente mais perigoso.” “Só dá para saber com certeza se uma pessoa é babaca quando ela fica rica.” “A polêmica é uma lucrativa forma de entretenimento, uma vez que a mídia pode empregar atores não remunerados e ferozmente motivados.” “Quando as pessoas o chamam de inteligente, quase sempre é porque concordam com você. Caso contrário, chamam você de arrogante.”

O título deriva do mito do malvado Damastes, conhecido como Procusto, que cortava ou esticava pessoas para adequá-las a um leito. Como ele diz na introdução, cada aforismo diz respeito a uma cama de Procusto, pois, diante do invisível e do imprevisível, nós resolvemos a tensão “espremendo a vida e o mundo em ideias comoditizadas e concisas, categorias reducionistas, vocabulários específicos e narrativas pré-empacotadas, que têm consequências explosivas”.

Taleb é muito observador. Identifica um mundo de molduras e conceitos engessados que funcionam como um alfaiate que, tendo feito centenas de ajustes na roupa, exulta quando o produto final serve perfeitamente, esquecendo-se de tudo que foi mudado para que tal ocorresse. Jogar fora o leito fixo de Procusto é uma esperança boa.

Leandro Karnal é historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras e autor de “A coragem da esperança”, entre outros