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Alexandre Garcia

Julgadores julgados

"É uma pandemia de ativismo", na opinião do ministro Gandra (...) o voluntarismo primeiro apresenta uma decisão da cabeça do julgador, depois faz malabarismo jurídico

07 de Abril de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

 

O Senado poderá votar nos próximos dias um requerimento, que já tem assinaturas suficientes de mais de um terço dos senadores, para ouvir o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, sobre em que bases legais ele fundamenta os inquéritos que está conduzindo como relator. O autor do requerimento, senador Eduardo Girão(Podemos, Ceará), argumenta que os inquéritos não obedeceram o devido processo legal, num caso em que quem se considera vítima é também condutor dos inquéritos, autor da denúncia, julgador e executor de sentença.

O Supremo, por 9 a 2, acaba de endossar a condução de Moraes no caso do deputado Daniel Silveira. O voto contrário do ministro Nunes Marques, acompanhado pelo ministro André Mendonça, argumenta que o Código de Processo Penal (art. 319) não prevê multa nem bloqueio de bens como medidas cautelares.

Estou em Brasília há 46 anos, sempre acompanhando de perto o Supremo. Lembro-me do tempo em que os juízes atravessavam a ruela que separa seus gabinetes do prédio do plenário, sob o olhar respeitoso dos circunstantes.

Hoje, ministro do Supremo só sai com segurança reforçada. Ainda há poucos anos, o presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa, costumava encontrar-se com amigos para um trago em conhecidos botecos, e só recebia aplausos.

Quando as sessões plenárias passaram a aparecer na TV Justiça, as câmeras despertaram as personalidades. Popularidade buscada, trouxe com ela também o preço de os julgadores se tornarem julgados.

Saudades de presidentes como Néri da Silveira, com hábitos de juiz dinamarquês: vivia modestamente e passava sua própria roupa -- comentávamos entre nós, jornalistas.

O tempora! Tempos do presidente Moreira Alves, que ensinava que o Supremo pode negar leis que não encontrem acolhida na Constituição, mas não pode inventar normas legais com o pretexto de que o Legislativo não fez a sua parte.

Semana passada, falando a um auditório da Justiça Militar da União, aí incluídos juízes do STM, o ministro Ives Gandra Martins Filho, ex-presidente do TST, criticou a politização do Judiciário, segundo ele, da base ao topo: “Judiciário politizado é Judiciário prostituído.”

O ministro Gandra antecipou temas de perguntas que certamente os senadores farão a Alexandre de Moraes, se o convite for aprovado: “Cláusulas pétreas não podem ser atropeladas; abrir inquérito de ofício não existe, assim como criar crime não tipificado na lei.”

Tempos difíceis para o Judiciário. “É uma pandemia de ativismo”, na opinião do ministro Gandra. Segundo ele, o voluntarismo primeiro apresenta uma decisão da cabeça do julgador, depois faz malabarismo jurídico para justificar a sentença.

Vimos isso no julgamento de Dilma no Senado. O mesmo Senado que vai precisar agora dar uma resposta. Os senadores vão ter que decidir se funcionam como poder moderador, para proteger a liberdade democrática.

E é bom lembrar que poder moderador não pode ser parte do problema e, sim, solução.

Alexandre Garcia é jornalista e escreve semanalmente no Cruzeiro do Sul