Celso Ming
A guerra muda a geopolítica
"A política é como a nuvem", repetia nos anos 60 o então governador de Minas Magalhães Pinto. "Numa hora está de um jeito e, em seguida, de outro."
Celso Ming
Independentemente do que vier a ser seu desfecho, uma guerra no coração da Europa deverá ter importante impacto geopolítico.
Antes, uma advertência: tantos fatores interferem na geopolítica que as tentativas de conferir para onde convergem as tendências quase sempre são tarefas inglórias. Mas é preciso tentar, até para mudar a análise depois.
A primeira reação da União Europeia ao expansionismo russo foi acelerar a tomada de decisões, ao contrário do que costuma acontecer numa entidade burocratizada de 28 países-membros. A nova ameaça aos antigos satélites da ex-União Soviética e hoje na órbita da União Europeia tem de ser enfrentada com mais Europa e não com menos.
Mais Europa implicaria opções orçamentárias em comum. Uma delas consiste em reduzir a dependência do petróleo e do gás fornecidos pela Rússia. Isso exigiria alterar a atual matriz energética, tanto com aumento dos investimentos em energia renovável como pelo prolongamento do uso de carvão mineral e de energia nuclear.
Não parecem possíveis essas mudanças sem alterar o cronograma de metas de descarbonização. Novos investimentos em energia renovável pedem, por algum tempo, mais queima de combustíveis fósseis e, portanto, maior demanda por petróleo e gás. Onde obtê-los?
A outra mudança orçamentária tem a ver com programas de defesa. A Europa já não pode contar com o guarda-chuva dos Estados Unidos como há alguns anos e terá de providenciar os seus, o que, por sua vez, exigirá o rearmamento da Alemanha.
O maior domínio sobre os portos no norte do Mar Negro pela Rússia, os únicos situados em águas não congelantes no inverno, aumenta a importância estratégica dos Estreitos de Bósforo e Dardanelos, sob controle da Turquia, país-membro da Otan, o pacto de defesa ocidental. Esses estreitos se tornam mais relevantes para a frota russa que demandar o Mediterrâneo e os oceanos abertos.
A reação firme do governo dos Estados Unidos à invasão da Ucrânia tende a reforçar o apoio ao presidente Biden, que andava claudicante. Nos próximos meses se verá até que ponto essa recuperação mudará a cabeça do eleitor.
E, finalmente, há o novo protagonismo da China. Na medida em que aumenta a polarização Estados Unidos (mais Europa) e Rússia, a polarização anterior Estados Unidos e China cai, ao menos provisoriamente, para segundo plano. Isso pode abrir mais espaço para a influência da China não só na Ásia como, também, na África e na América Latina.
“A política é como a nuvem”, repetia nos anos 60 o então governador de Minas Magalhães Pinto. “Numa hora está de um jeito e, em seguida, de outro.” Se a política é assim, a geopolítica, mais ainda. É campo em que nada é definitivo.
Celso Ming é jornalista e comentarista de economia.