Celso Ming
Não ameace meu conforto
Seja como for, essa aparente fragilidade do Ocidente deverá produzir consequências geopolíticas, que os analistas podem agora examinar
Celso Ming
Um dos aspectos intrigantes deste ataque à Ucrânia foi a relativamente frouxa reação dos governos do Ocidente. Teve muita retórica e muita ameaça, mas o que saiu em matéria de represálias foi quase uma insignificância quando comparada com a prenda a ser obtida pela Rússia.
Ficaram de fora revides que atingiriam petróleo, gás, fertilizantes e grãos. E mesmo quando deveriam alcançar a área financeira, a Europa apressou-se em vetar a exclusão da Rússia da rede global de pagamentos, o sistema Swift.
Os europeus não aceitaram ter de enfrentar quebras do suprimento de gás e de alimentos, como trigo e girassol.
Essa falta de vontade política de abrir mão da zona de conforto já vinha sendo mostrada na Europa na administração da transição energética.
Há uma firme decisão de substituir os combustíveis fósseis pelos renováveis. Para isso, os governos vêm apressando a retirada de circulação dos veículos a gasolina e diesel, mas, quando mais energia elétrica passou a ser desviada para esses objetivos, ninguém pareceu disposto a reduzir o consumo de quilowatts no aquecimento ou na refrigeração.
A necessidade de queimar mais óleo combustível ou gás natural é exigida em nome da manutenção do crescimento econômico e do emprego, mas a razão principal é garantir a comodidade. Por isso, as metas de descarbonização vão sendo adiadas para quando der.
Essa situação lembra um verso do romano Juvenal (século 1º depois de Cristo), nas suas Sátiras: “Não foram as armas que nos venceram; foi o desfrute do luxo” (tradução livre).
Pode-se argumentar que há outras razões de força maior que levaram as autoridades do Ocidente a praticamente tolerar a agressão da Rússia. Entre elas está a baixa disposição do governo dos Estados Unidos de se meter em nova encrenca depois dos vexames no Vietnã, no Iraque e no Afeganistão.
Seja como for, essa aparente fragilidade do Ocidente deverá produzir consequências geopolíticas, que os analistas podem agora examinar.
Uma delas lembra o momento em que o Império Romano já não tinha a mesma disposição para enfrentar as ameaças de hunos, visigodos, partas e tártaros. O caminho mais ou menos livre que os russos encontraram na Ucrânia sugere que também deverão encontrar em outros territórios que faziam parte do Império do Czar.
Também os chineses poderão encontrar novos estímulos para avançar sobre Taiwan, nas instalações da nova Rota da Seda, que se estenderá também pela África e pela América Latina ou na imposição das novas tecnologias digitais...
Celso Ming é jornalista e comentarista de economia