Dom Julio Endi Akamine
Paternidade e Fraternidade
A paternidade humana é reflexo especular da paternidade de Deus e, por isso, o pai da parábola nos faz conhecer o Pai de Jesus e, em consequência, a nós mesmos

Dom Julio Endi Akamine
Todos conhecem bem a parábola do filho pródigo (Lc 15,1-3.11-32). Podemos considerá-la rainha de todas as parábolas, pois deixa transparecer em seu desenvolvimento elementos impactantes: o abandono da casa, a dissipação libertina, a queda humilhante, as privações merecidas, a saudade de casa paterna, a espera impaciente e esperançosa do pai, o retorno à vida, o abraço sem recriminações, a festa.
São três os personagens: um pai e dois filhos. Ao passar da ovelha e da moeda perdidas para o filho reencontrado, Jesus cumpre algo que ele tinha dito: Ele revela o Pai (10,22). A paternidade humana é reflexo especular da paternidade de Deus e, por isso, o pai da parábola nos faz conhecer o Pai de Jesus e, em consequência, a nós mesmos.
O filho mais novo pede a sua parte da herança que corresponde a um terço dos bens móveis (Dt 21,17). O motivo do pedido fica claro com o que o filho mais novo faz imediatamente depois de receber o seu quinhão: parte para longe do pai. Trata-se de rompimento e de busca de liberdade do pai.
A liberdade se revela, na realidade, como libertinagem, e a libertinagem o leva rapidamente à miséria porque “bebedores e comilões se arruínam” (Pr 23,21); “quem se junta com prostitutas dissipa sua fortuna” (Pr 29,3). Assim a fome e a miséria do filho pródigo não são castigos extrínsecos, mas consequências bem conhecidas de uma conduta tão insensata quanto ingrata.
Submetido à escravidão de um patrão pagão, humilhado por um ofício infamante, forçado a permanecer com porcos, o filho pródigo cai na conta de que aqueles animais imundos gozam de uma sorte melhor do que a dele: têm a lavagem! Nem isso recebe!
É nesse momento que se lembra do pai! A necessidade o faz refletir; a fome provoca a lembrança de que os empregados do pai têm pão com fartura! Ouvimos os pensamentos do jovem e mais uma vez constatamos indignados que ele só pensa em si mesmo, que sabe raciocinar somente em função de seus interesses pessoais.
Ele, porém, não permanece somente nessa constatação egoísta. Seguindo suas considerações íntimas, vemos que o jovem cai na conta de que, além de dissipar dinheiro, perdeu algo mais precioso: a dignidade de filho. Superando o interesse pessoal, o jovem descobre, além disso, a dimensão transcendente de sua falta contra o pai: pecou também contra Deus! Ele se impõe um castigo: o de perder todos os direitos de filho e o de ser tratado como um empregado.
O pai, porém, não leva o assunto por via legal, mas se deixa levar pelo afeto paternal: “minhas entranhas se comovem e cedo à compaixão” (Jr 31,20); “meu coração se contorce dentro de mim, minhas entranhas se comovem” (Os 11,8). Vendo ao longe o filho que retorna, o pai sai correndo a seu encontro. O abraço acolhe a confissão de culpa e sela a reconciliação. É recebido como filho. Traje e anel são os sinais externos da filiação recuperada. De fato, o filho estava morto e voltou a viver. Ele não só retornou para casa; ele se arrependeu e voltou melhor do que quando partiu. Trata-se de uma vida melhorada que merece ser festejada.
A parábola tem uma segunda parte porque nem todos se alegram com o final da parábola. Há quem não aceite nem compreenda a fraqueza do pai. O filho mais velho é como Jonas que não queria ser profeta de um Deus compassivo e clemente, paciente e misericordioso, capaz de deixar na mão o seu profeta em vez de destruir os ninivitas arrependidos.
O filho mais velho também regressa para casa. Está cansado, depois de um longo dia de trabalho no campo. Ele protesta contra o pai e o irmão: o outro gastou os bens com prostitutas; a ele nunca foi oferecido sequer um cabrito para festejar.
O filho mais velho precisa também de conversão. Estar sempre com o pai deveria ser sua alegria e felicidade e não uma condição para reivindicar! Nunca ganhou um cabrito do pai, porque tudo o que lhe pertence é também dele! O filho mais velho precisa se converter de empregado em filho!
Entrou o filho mais velho para festejar o retorno do irmão? Não sabemos. Só sabemos que paternidade gera fraternidade.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.