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Alexandre Garcia

Ponta oca

Imagino que o TSE esteja vendo inimigos muito além dos hackers

05 de Janeiro de 2022 às 23:59
Cruzeiro do Sul [email protected]
Fachada Tribunal Superior Eleitoral
Fachada Tribunal Superior Eleitoral (Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

Estávamos embalados nas mensagens da semana de Natal, quando surgiram informações bélicas em dois ou três sites de notícias que atingiram a paz tão desejada: o Tribunal Superior Eleitoral, que tem por tarefa preparar eleições, parecia estar se preparando para guerra. Havia comprado armas e munições.

No princípio, só me havia chamado a atenção nas notícias uma mesma informação em todas: que o TSE havia comprado 39 mil projéteis. Fiz ironia, no meu canal do YouTube: “Ora, se só tivesse comprado os projéteis, como iria arremessá-los? Com atiradeiras, estilingues, bodoques, fundas de Davi? Ou, se fossem grandes, por catapultas? Certamente -- corrigi -- os que redigiram essas notícias não sabem o que são projéteis, pois, com certeza, o Tribunal comprou cartuchos.

Fui conferir no site do TSE. As compras eram anteriores ao Natal. E realizadas cautelosamente: pouco a pouco por mês. Em agosto, o TSE comprou 30 pistolas calibre 9mm por R$ 66.707,86. Em setembro, 10 armas de “incapacitação neuromuscular” com seis cartuchos cada, por R$ 58.887,70.

Em outubro, depois de comprar 25 “bastões antitumulto”, por R$ 1.850,00, fez o pregão de 36 mil cartuchos calibre 9mm Luger”, com pólvora química sem fumaça, a R$ 174.960,00 e, no mesmo dia, 3 mil cartuchos do mesmo calibre, tipo “+P+ expo 115 gr”, isto é, segundo o fabricante, uma munição cujos projéteis (agora sim) “possuem geometria especial: ponta oca e configuração hexagonal em seu interior, o que garante alto desempenho e a perfeita equação entre a expansão e penetração ideal, sem transfixação do alvo”.

Todos já ouvimos falar dos projéteis de ponta oca, conhecidos também como os mortíferos hollow point, que se abrem para causar maior impacto e maior estrago, maior dano colateral no corpo do alvo. Também já ouvimos falar em Luger, de triste memória na II Guerra, nas execuções sumárias de reféns italianos ou judeus em campos de concentração.

Para quê isso? Sem dúvida a Justiça Eleitoral tem direito à proteção, mas para isso há a Polícia Militar. Além de o Judiciário não ser um “poder desarmado”. A Constituição prevê, no art. 142, que qualquer dos três poderes tem a iniciativa de convocar as forças armadas para garantia da lei e da ordem.

E é bom lembrar que o art. 144 da Constituição estabelece que a segurança pública é exercida pela polícia federal, as polícias rodoviária e ferroviária federais, as polícias civis, as polícias militares e os corpos de bombeiros militares e as guardas municipais. Não há menção de outra força policial ao abrigo da Constituição.

Imagino que o TSE esteja vendo inimigos muito além dos hackers. Porque para esses invasores de muralhas digitais, as armas de defesa são digitais, usando mais inteligência que esses invasores, para proteger o bem mais precioso, de que a Justiça Eleitoral é guardiã por obrigação: o voto de cada um.

E contra hackers, não fazem efeito armas convencionais como cassetetes, armas de incapacitação, pistolas 9mm, munição sem fumaça ou ogivas que se abrem para destruir corpos não digitais, de carne e osso, de eleitores e contribuintes que ajudaram, com seus impostos, a comprar o intimidador armamento.

Alexandre Garcia é jornalista