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O pensamento mágico é do bem?

Artigo escrito por Leandro Karnal

17 de Dezembro de 2021 às 00:01
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

“Toda vez que eu uso esta roupa, chove”, dizia, desolada, minha irmã sobre uma blusa bege que ainda tinha o agravante de tender à transparência quando molhada.

Como enunciamos uma frase assim? Todos nós temos uma parcela de pensamento mágico, estabelecendo relações de causa-efeito a partir de deduções sem base em pesquisas científicas.

Há alguma chance, remota que seja, de uma blusa mudar o jogo de massas de ar e provocar acúmulo de nuvens de chuva? Todo ser humano mais ou menos equilibrado dirá: “Não! Absurdo!. No creo en brujas, pero que las hay, las hay”.

Muitas casas possuem talismãs, imagens e disposições que mostram nosso desejo de ajuda extra de um cosmos fora da ciência. Já notou um elefante com o derrière voltado para a porta? Pode reforçar o círculo botânico da magia: experimente espadas e lanças de São Jorge, alecrim, manjericão, arruda e guiné. As energias negativas serão bloqueadas e tudo de bom fluirá.

Bem, vamos ser objetivos: tudo isso foi feito em 2020 e 2021 e o que veio depois foi um desastre...

Difícil lutar contra o pensamento mágico, está no ar, invisível e onipresente. Necessário combater? Nossa percepção do real é marcada pela modulação que as emoções produzem sobre a cognição. Sentimos, preferencialmente, analisamos depois.

Um amigo meu era taxativo: pensamento mágico era falta de boa formação. Eu sou mais sensível com a fauna da humanidade. Com boa ou má formação, os atos mágicos revelam muito sobre uma sociedade.

Existem códigos e convenções que atribuem significado às coisas, mesmo às coisas de pessoas com excelente currículo. Céticos emolduram diplomas ou guardam pétalas de flores dadas pelo seu amor. Dizem que é pelo afeto e memória, porém, os objetos deslocados da sua função original costumam virar talismãs.

O ser humano é um animal que simboliza, metaforiza, torna alegoria o material concreto e busca lógicas e padrões em tudo. Faz parte da famosa Revolução Cognitiva, a capacidade de inventar e contar histórias e, sobretudo, de acreditar nelas.

Tal força fez surgir o Estado, a divindade dos reis, as pirâmides e, como lembra Yuval Harari, até os direitos humanos.

Quando o pensamento mágico é direto e linear, chamamos de folclore. Quando fica elaborado, pode virar política ou ritos acadêmicos de defesa de doutorado.

A liturgia das coisas nos inunda. De todos os pensamentos mágicos, entrar com o pé direito no avião causa menos danos do que duvidar de vacinas.

Desejo boa sorte e esperança a todos nós, algo totalmente mágico...

Leandro Karnal é historiador, escritor e membro da Academia Paulista de Letras. É autor de “A Coragem da Esperança”, entre outros.