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Filmes da Netflix: "A viagem"

Artigo escrito por Nildo Benedetti

17 de Dezembro de 2021 às 00:01
Lars (Aksel Hennie) e Lisa (Noomi Rapace), protagonistas da comédia
Lars (Aksel Hennie) e Lisa (Noomi Rapace), protagonistas da comédia "A viagem". (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Este filme de 2021 do diretor norueguês Tommy Wirkola pertence ao gênero que a Netflix classifica de macabro, sangrento e suspense. Contudo, é uma paródia de filmes do gênero de Hollywood, em que o que realmente interessa é sangue, muito sangue, produzidos por socos de energia cinética capaz de derrubar uma parede de alvenaria, facas, espingardas, martelos e outros apetrechos criados pelo prodígio dos seres humanos quando se metem em conflito. É impossível conter a estupefação diante da tamanha resistência física dos personagens, que continuam de pé depois de perder partes dos membros, levar pauladas, coronhadas, bordoadas, facadas, tiros, golpes de rastelo. Até bolas de bilhar numa meia entram na dança.

Vamos à história. O casamento de Lars e Lisa está em crise. Ele é um diretor de novela sem talento e sem dinheiro, ela é uma atriz fracassada. O casal resolve passar um fim de semana na cabana do pai de Lars, situada em um local isolado da Noruega, com lago e floresta.

Os preparativos da viagem incluem a compra, por Lars, de martelo, serrote e corda. Sua ideia é matar a mulher a marteladas e esquartejá-la com o serrote para facilitar a imersão do corpo nas águas do lago. Lisa, por sua vez, planeja simular um acidente com arma de fogo para se livrar do marido. Os dois prepararam o terreno: Lars visita o pai para mostrar a ele os riscos que sua esposa pode correr na floresta e Lisa diz a uma amiga que o marido a convidou para caçar e, como ela não gosta de armas, pode involuntariamente matá-lo. Ambos estão de olho num seguro de vida milionário que tirará o sobrevivente do aperto financeiro e, ao mesmo tempo, o livrará de um cônjuge inconveniente.

Durante a viagem de carro até a cabana, Lars e Lisa se insultam sem qualquer preocupação de esconder do outro as mágoas acumuladas nos anos de convívio. Já na cabana, começa a pancadaria e o domínio da situação passa ora para Lars, ora para Lisa. E é quando entram em cena três foragidos da prisão: um sodomita superdotado, um neonazista e o líder do grupo, que se orgulha ao listar as formas variadas que utilizou para despachar os desafetos para o outro lado da vida. Gente fina. Diante da nova situação, o casal se une para garantir a sobrevivência. E, de fato, eles são os únicos que voltam vivos para casa. Então Lisa tem um plano que fará o casal sair da dificuldade financeira: o de realizar um filme de Hollywood, que Lars dirigirá e Lisa protagonizará e que conterá as mesmas mentiras de filmes do tipo “baseado em fatos reais”.

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A mesma ironia empregada para relatar os acontecimentos narrados serve também para ironizar as encrencas de casais em conflito. A capacidade de resistência física dos personagens metaforiza a resistência psicológica para enfrentar a guerra do casamento. Por isso, a primeira cena é uma filmagem em que já vemos um casal em crise.

O filme mostra que, embora Lars e Lisa sejam artistas, não são muito melhores do que os foragidos da cadeia. De fato, quando o rancor entra em um relacionamento, os cônjuges se tornam especialmente criativos para atormentar um ao outro. Mas as dificuldades podem motivá-los a ir levando a vida juntos, ainda que aos trancos e barrancos.

Voltarei a escrever no próximo dia 7 de janeiro. Boas Festas a todos.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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