Buscar no Cruzeiro

Buscar

Filmes da Netflix: "Homicídio na Costa do Sol" (parte 1 de 2)

Artigo escrito por Nildo Benedetti

03 de Dezembro de 2021 às 00:01
A mídia explorou ao máximo a desgraça dos assassinatos de Rocio e Sonia.
A mídia explorou ao máximo a desgraça dos assassinatos de Rocio e Sonia. (Crédito: REPRODUÇÃO)

 

O que escrevi nesta coluna nas últimas sete sextas-feiras sobre a minissérie “Elize Matsunaga” com respeito a tópicos de psicanálise e de justiça se aplica a este “Homicídio na Costa do Sol”. Mas, adicionarei nesta exposição um outro tema, o da atuação da imprensa televisiva na cobertura de fatos violentos. Meu propósito é o de procurar entender as ações tomadas pela televisão, tomando como embasamento teórico obras de alguns autores como Guy Debord, Michele Negrini e outros. É claro que o que escreverei aqui se aplicaria também à minissérie Elize Matsunga.

“Homicídio na Costa do Sol” foi escrito e dirigido por Tania Balló. Estreado em 2021, o filme focaliza o assassinato da jovem Rocio Wanninkhof em 1999 na costa sul da Espanha. Dolores Vazquez, a antiga companheira da mãe de Rocio, é apontada como assassina e condenada a 15 anos de prisão. Em vão ela se diz inocente. E é então que em 2003 uma outra jovem, Sonia Carabantes, é assassinada de forma semelhante a Rocio. A Polícia descobre que o mesmo homem assassinou Sonia e Rocio.

O leitor testemunhará que alguns dos profissionais da imprensa que aparecem no filme mostram-se serenos, ponderados, com a expressão facial séria que a gravidade do caso requer. Outros fazem do acontecimento um show que mistura jornalismo, dramaturgia e discursos exaltados e emocionados de mal fingida moralidade. Mas, o espectador perspicaz não se ilude, porque sabe que tanto uns quanto outros mal conseguem esconder a satisfação de estar impactando o público espectador com notícias terrificantes. Alguns mais francamente do que outros escancaram seu real objetivo, o de reter a atenção do público.

Por que a televisão age dessa forma desumana e insensível? Embora o leitor saiba a resposta, procurarei a seguir expor algumas ideias sobre o tema.

As redes de televisão, como empresas privadas que são, visam exclusivamente ao lucro de forma direta ou indireta. Esse lucro vem da publicidade. Alguém anuncia um produto ou serviço na televisão, paga pela divulgação e recebe de volta o índice de audiência daquele canal naquele momento. Por isso, nos horários de maior audiência, o preço de anúncios são os mais caros. Entretenimento, divulgação de notícias, de ideias religiosas, políticas, econômicas, científicas estão diretamente relacionadas ao alcance de alguma compensação financeira que é obtida por meio da venda de audiência aos anunciantes.

Na sociedade de consumidores contemporânea tudo se transforma em mercadoria. A audiência é a mercadoria que a televisão fornece aos anunciantes. Um acontecimento deve ser explorado quando desperta o interesse do público e aumenta a audiência. Um homicídio é uma mercadoria de grande valor para a televisão. Se o crime for chocante, o valor da mercadoria aumenta e, portanto, aumenta a possibilidade de ganhar dinheiro com a desgraça dos envolvidos. A televisão convida especialistas em justiça, psicologia etc. para debaterem temas diversos referentes ao homicídio, com a aparente finalidade de esclarecer o público com opiniões de fontes credenciadas. Mas seu objetivo real é o de manter aceso o debate e prolongar pelo maior período de tempo a comoção popular provocada pelo triste incidente.

Conclui na próxima semana.

Está série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

[email protected]