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O plátano dos médicos

Artigo escrito por Edgard Steffen

27 de Novembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

Platanus orientalis
Onde Hipócrates difundia seu saber,
representa a nossa querida faculdade.
Jubileu de Ouro XVI Turma
(1966 /1971)

Neste sábado de primavera será inaugurado, no Campus Sorocaba da PUC.SP, simbólico presente dos médicos da 16ª Turma. Placa identificará descendente do plátano à sombra do qual, segundo a tradição, Hipócrates ensinava seus discípulos. A árvore-mãe, milenária, ainda vive na ilha grega de Koz. Um médico brasileiro, após saga cheia de peripécias, conseguiu trazer um ramo da árvore original e, por estaquia, reproduzi-la.

Na 16ª turma encontro profissionais brilhantes em suas respectivas especialidades. A alguns entreguei os cuidados com minha saúde pessoal e da minha família. Com outros convivi na docência, órgãos da classe, saúde pública e movimentos culturais. Sentirei as ausências de Hélio Geraldo, Pedro Janini, Cecília Ferro, Zeca de Campos já recolhidos ao repouso eterno (cito somente os que permaneceram em Sorocaba).

Os que hoje se reúnem viveram a transição entre românticos anos dourados e agitados anos rebeldes. Talvez nem se lembrem do Intel 4004, microprocessador que inaugurou a era da informática (1971).

Enquanto circulavam entre laboratórios das cadeiras básicas e enfermarias dos hospitais, recrudescia a Guerra do Vietnã e a contracultura hippie atingia seu apogeu. No enlameado Woodstok, rolavam as drogas enquanto plangia a guitarra de Jimi Hendrix e a possante voz metálica de Janis Joplin enlouquecia a plateia.

Em 1966 o presidente da República era Castelo Branco. Dele o AI3 que estabeleceu eleições indiretas para governadores. O candidato a sucedê-lo, general Costa e Silva, sofreu atentado no Aeroporto de Guararapes (PE). Eleito, promulgaria o AI5, endureceria o regime e os anos de chumbo.

No ano de sua formatura, o presidente general Medici seria obrigado a soltar 70 prisioneiros políticos, em troca da libertação do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, sequestrado pela guerrilha urbana. Entre os expatriados, alguns presos no enlameado sítio de Ibiúna, onde a UNE tentara seu 30º congresso.

Concentrados no estudo, vocês mal tiveram tempo de entender as ideias de Bob Kennedy, Martin Luther King Jr., Guevara, Lamarca, Nikita Kruschev, mortos no período. Somente Kruschev -- notabilizado por denunciar os crimes de Stalin e pelo episódio dos mísseis em Cuba -- morreu de causas naturais.

Enquanto vocês estavam às voltas com a histo-arquitetura do corpo humano e tentando reconhecer os microagentes etiológicos das doenças parasitárias, Willy Brandt foi agraciado com o Nobel da Paz e Neruda com o de Literatura. Na África do Sul, Christian Barnard realizou o 1º transplante de coração.

O Nobel de Fisiologia e Medicina 1966 foi concedido ao finlandês Ragnar Granit e aos americanos Haldan Haltline e George Wald por pesquisas sobre fisiologia da visão. O de 1971 foi para Carl Wibur Sutherland Jr. por estudos sobre mecanismos hormonais.

Na área do entretenimento, apogeu e dissolução dos Beatles. Claude Lelouch ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro com “Un homme et une femme”. Sua trilha sonora concorreu com “All you need is love” (Beatles) e “To sir with love” (do filme inglês com o mesmo nome). No Brasil, os festivais da Record e a ingênua Jovem Guarda lotavam o Teatro Paramount.

No ano de formatura, lançados os clássicos “Imagine” de Lennon e “My sweet lord” de Harrison. No Brasil, “Construção”, obra-prima de Chico Buarque de Holanda.

Que o plátano sobreviva e embeleze o campus com a multicolorida variação das folhas conforme a estação. Árvore longeva, muito resistente à poluição, crescerá rápida. Resistirá ao desdém dos alienados, mas terá de resistir à iconoclastia dos vândalos.O poema de Antônio Gedeão (1906 - 1977) descreve a icônica árvore:

São belas as folhas dos plátanos espalhadas no chão.
Eram lisas e verdes no apogeu
da sua juventude em clorofila,
mas agora, no outono de si mesmas,
o velho citoplasma, queimado e exausto pela luz do Sol,
deixou-se trespassar por afiado ácidos.

Parabéns! Seu presente ao Campus revela médicos plenos de clorofila e vazios dos afiados ácidos do desalento com nossa profissão.

Edgard Steffen ([email protected]) é médico, escritor e membro da Academia Sorocabana de Letras (ASL).