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Destruição de empregos

Artigo escrito por Celso Ming

20 de Novembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Celso Ming.
Celso Ming. (Crédito: Arquivo Pessoal)

 

As relações de trabalho passam por duas transformações. A primeira tem a ver com o rápido crescimento do trabalho autônomo, situação em que as pessoas ativas deixam de ser assalariadas e passam a operar como freelancers ou por conta própria. Faz parte desse segmento a chamada gig economy, aquela dos “fazedores de bicos” e dos operadores do Uber e do iFood.

A outra revolução está na enorme destruição de funções e, também, na criação de outras. É dessa segunda transformação que esta Coluna começa a tratar. O desaparecimento rápido de postos de trabalho acontece por força de dois fatores: pela disseminação da tecnologia digital e pela inevitável erradicação dos combustíveis fósseis.

A perda de empregos pelo uso de tecnologia digital foi mais bem notada. Há alguns anos, no Brasil, duas das mais importantes categorias profissionais, bancários e comerciários, estão à míngua, como a dos alfaiates e das costureiras depois do aparecimento da indústria de confecção. Os bancos estão fechando agências e demitindo funcionários porque as operações são feitas cada vez mais em canais digitais. Desde 2016, o número de agências caiu 17,1%, segundo dados da Febraban. No comércio varejista crescem as compras online.

Lojas e shoppings se transformam em simples showrooms e vão dispensando vendedores. Os que continuam lá passam a trabalhar mais como demonstradores de produto do que como vendedores.

Mas esses são apenas exemplos. A tecnologia vai desempregando gente em outras atividades. Os trabalhadores de call centers vão sendo substituídos por dispositivos automáticos em que o consumidor fica a digitar um algarismo atrás do outro e só é atendido por algum humano depois de ter de ouvir insistentes musiquinhas. E sabe-se lá quantos empregos mais desaparecerão com a conexão 5G e com o avanço da Internet das Coisas.

A transição energética é outra grande destruidora de empregos. À medida que a frota a diesel e gasolina for sendo substituída pelo carro elétrico, oficinas mecânicas terão de se transformar em elétricas, sumirão os frentistas de postos de combustível, como já sumiram em outros países. O veículo autônomo vai dispensar aos milhares motoristas, caminhoneiros, ajudantes...

Não se pode olhar apenas pelo lado da perda de empregos. Essas transformações também criarão novos postos de trabalho. Mas não na mesma proporção em que serão fechados.

De todo modo, será preciso reciclar a mão de obra que será dispensada por meio de treinamentos, cursos e estágios.

O especialista em Economia do Trabalho José Pastore está de pleno acordo em que esse fechamento de postos de trabalho vem acontecendo. Só não aceita a afirmação sem a necessária confirmação de que a criação de novos empregos não se dê na mesma proporção do fechamento dos anteriores. “Tudo depende do vigor do crescimento econômico e da qualidade da educação. Japão, Estados Unidos e Alemanha são países que incorporaram um volume brutal de tecnologia e, antes da pandemia, exibiam os menores índices de desemprego do mundo.”

Pastore adverte que é preciso mudar os sistemas de ensino e intensificar os projetos de qualificação e reinserção da mão de obra no mercado de trabalho.

É tarefa difícil. Os desafios nessa área são enormes e não muito claros. Luis Claudio Kubota, técnico do Ipea, observa que, no Brasil, as novas gerações são mais escolarizadas do que as de seus pais e avós. No entanto, isso não vem melhorando as estatísticas de produtividade. Por quê? Porque essa maior escolaridade não atende aos empregos que estão sendo criados. A nova geração vai para funções de baixa qualificação que não acusam melhor produtividade.

O dado novo é o de que “a pandemia produziu um cataclismo no ensino”, pois parte dos estudantes não tem acesso à internet e não acompanha a educação a distância. Muitos agora tendem a abandonar a escola. Isso significa que, até mesmo antes de criar sistemas mais eficientes de treinamento, será preciso recuperar o prejuízo e atrair esses excluídos de volta às salas de aula. Afora isso, é preciso qualificar esses jovens para que possam operar sob as novas tecnologias e nos postos de trabalho que serão formados na esteira da transição energética.

Como afirma Fausto Augusto Júnior, diretor do Dieese, a implantação de tecnologias vem a tal velocidade que não haverá tempo para qualificar a atual geração de trabalhadores. Vai ser preciso esperar a próxima e, enquanto isso, conviver com as demissões: “O caixa do supermercado que sobrou com a implantação do autoatendimento não conseguirá ser capacitado para criar esses sistemas. Ele acabará indo para um trabalho manual. Ou seja, haverá um descasamento temporal”. Por isso, é preciso planejamento para atender às novas necessidades educacionais e profissionalizantes.

O diabo é que não se vê no governo nenhuma atenção para o enfrentamento do problema. (Com Pablo Santana)

Celso Ming é jornalista e escritor.