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"Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime" (parte 6 de 7)

Artigo escrito por Nildo Benedetti

19 de Novembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
"Alegoria da Justiça", de 1656, do pintor italiano Bernardino Mei. (Crédito: REPRODUÇÃO)

Como foi a ação da Justiça no caso de Elize? Para responder a essa questão utilizarei alguns autores que escreveram sobre o assunto. Para minha segurança, recorri à juíza Eugênia de Azevedo Neves e à procuradora Virgínia de Azevedo Neves, que fizeram correções e adições ao meu texto inicial.

A ordenação das relações humanas na vida em sociedade exige a criação de uma instituição que seja detentora de poder político capaz de criar um conjunto de regras que determinam os limites de conduta dentro dos quais os indivíduos se relacionarão uns com os outros. Cria-se então a Justiça, que Umberto Bobbio define como “a ordenação das relações humanas e da conduta de quem se ajusta a essa ordenação”. O ordenamento jurídico estipula, assim, o conjunto de normas a que os cidadãos devem obediência nas suas relações sociais.

Mas o sistema jurídico é falível, porque o ser humano é falível e os membros da Justiça estão sujeitos a cometer erros. Essa falibilidade advém em dois momentos distintos. O primeiro, quando as normas são elaboradas, porque são submetidas aos interesses da classe detentora do poder, que é a que elabora as normas e o faz naturalmente na defesa de seu próprio interesse. O poder político que delimita a conduta o faz de forma desigual. Garante direitos a uns e retira de outros, em uma balança já pendente e tendenciosa. O segundo momento ocorre quando o magistrado profere sua sentença; as leis estão sujeitas a interpretações e, portanto, decorrem de uma visão de mundo do magistrado e do seu conhecimento da matéria. As interpretações do magistrado podem ser pautadas em louváveis preceitos morais, mas também podem incluir corrupção, atendimento de interesses pessoais, interesses de determinada classe, instituição ou ideologia política, em um sinistro jogo de trocas.

Mesmo peritos podem errar, embora lidem com o corpo humano e, portanto, recorrem à Ciência para emitir pareceres. O erro pode decorrer de ineficiência técnica na interpretação dos vestígios, mas também de manipulação para efetuar um relatório pericial propositadamente favorável ou desfavorável a alguém. Lembremos do rumoroso caso envolvendo a morte de Paulo César Farias -- peça importante no escândalo de corrupção que resultou na queda do ex-presidente Collor -- e sua namorada Suzana Marcolino. A imprensa deu grande destaque ao caso, com diferentes versões, os relatórios de dois peritos divergiam (um deles era o conceituado e midiático Badan Palhares) e até hoje ninguém foi preso ou condenado e nem se conhece o mandante, se houve algum. Em “Elize Matsunaga”, os dois peritos divergem sobre o fato de o esquartejamento de Marcos ter sido efetuado com ele ainda vivo; e estas opiniões são decisivas na caracterização da gravidade do crime e, portanto, na sentença proferida pelo juiz da causa.

Os personagens diretamente ligados à ação da Justiça em “Elize Matsunaga” procuram comunicar a noção de que suas decisões e opiniões se baseiam nas leis vigentes e, portanto, têm alto nível de racionalidade. Mas, como escrevemos acima, a realidade é bem diferente e significativos fatores imponderáveis e, portanto, irracionais, definem o destino do réu e, por extensão, dos que estão sujeitos às leis.

Conclui na próxima semana.

Está série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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