Buscar no Cruzeiro

Buscar

Seminário São Carlos Borromeu e o Concílio

Artigo escrito por Dom Julio Endi Akamine

14 de Novembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Dom Julio Endi Akamine
Dom Julio Endi Akamine (Crédito: Manuel Garcia (11/7/2019))

O Concílio de Trento formulou os princípios da necessária reforma da Igreja Católica. Para fazer a reforma não bastam, porém, as boas intenções, os princípios corretos, os decretos e os documentos. A reforma de Trento não permaneceu letra morta porque muitos bispos fizeram com que o espírito do Concílio de Trento chegasse até às paróquias mais distantes e penetrasse até o mais íntimo das consciências dos fiéis cristãos. Nesse sentido, São Carlos Borromeu é uma figura radiosa e importante para nossa Arquidiocese e para o nosso Seminário que tem o seu nome.

Carlos Borromeu viveu de 1538 a 1584. No dia 30 de janeiro de 1560, com apenas 22 anos, o papa Pio IV, que era seu tio, o promoveu a cardeal. Três semanas depois o nomeou seu secretário de Estado e sucessivamente fez chover sobre ele uma avalanche de títulos. Além disso, o cumulou de benefícios e salários.

Sobrinho do papa, honrarias e rendas! O papa parecia dar sequência ao nepotismo. Em pouco tempo, porém, Carlos Borromeu mostrou aos romanos o que ele seria até o fim da vida e em todas as circunstâncias: um trabalhador incansável, uma alma de meditação e de oração. O cardeal-sobrinho e secretário de Estado soube viver como santo, mesmo auferindo rendas enormes pelos cargos que ocupava. O povo romano se rendeu à evidência de sua santidade, pobreza e dedicação pastoral.

Depois de ter participado ativamente da realização e conclusão do Concílio de Trento e da eleição do papa Pio V, Carlos Borromeu considerou que devia dar exemplo e, por isso, obedecendo o decreto sobre a residência episcopal, foi se instalar na Arquidiocese de Milão. Era uma diocese enorme, abrangia, além do território milanês, partes do território veneziano e os Alpes suíços.

A situação não era nada boa: sacerdotes sem zelo e ignorantes a ponto de não saberem dizer a fórmula de absolvição; igrejas vazias, a ponto de algumas servirem de celeiros; mosteiros tão relaxados que nos seus locutórios ou refeitórios se realizavam bailes e banquetes! O trabalho era enorme, e Carlos Borromeu se lançou com energia à reforma da Igreja.

Em menos de 20 anos, que obra! Pôs ordem em oitocentas paróquias. Seguindo as instruções de Trento, criou seminários. Restabeleceu uma rigorosa disciplina em todos os lugares. Os sacerdotes faltosos eram convidados a fazer uma “peregrinação” à cúria da Arquidiocese, de onde eram levados, com cortesia e firmeza, a uma casa de retiros; e só saiam de lá arrependidos e com a emenda de vida. Os mosteiros foram reformados: foram eliminados os bailes e os banquetes!

Carlos Borromeu tinha consciência de que a sua obra tinha alcance para além das fronteiras de sua Arquidiocese e que a aplicação dos princípios de Trento correspondia a uma experiência piloto. Por isso teve o cuidado de publicar todas as decisões, decretos e cartas pastorais.

Semelhante zelo e firmeza não contentou todo mundo. Não faltaram adversários declarados e ocultos. Um deles chegou a disparar seu arcabuz contra o arcebispo em plena missa. Felizmente, atingiu Carlos Borromeu somente de raspão.

Carlos Borromeu doava os seus bens ao povo. Os seus hospitais estavam cheios. As suas escolas ensinavam a religião a milhares de crianças. No ano de 1576, um surto de peste se alastrou pela Arquidiocese, e Carlos Borromeu visitou pessoalmente os doentes que ninguém atendia. Celebrava a missa para os empestados, dava-lhes o viático, consolava-os e lhes dava instruções com caridade, suplicava ao clero e ao povo que organizassem socorros coletivos. Vendeu o que lhe pertencia, até os móveis e a roupa de cama. Com efeito, São Carlos não desfrutou da sua riqueza pessoal senão aquilo que um cão recebe de seus donos: “água, pão e palha” (um elogio anacrônico, dado os cuidados exagerados com os pets!).

Esgotado por todo esse enorme esforço, morreu em 1584, aos quarenta e seis anos de idade.

Ressalto alguns ensinamentos importantes para a nossa Arquidiocese, para este arcebispo e para o nosso Seminário.

A vida de Carlos Borromeu nos revela como é importante aplicar a renovação conciliar do Vaticano II em nossa Arquidiocese, uma renovação ainda a ser levada adiante; e isso vai exigir de nós energia e decisão.

A aplicação da renovação conciliar não implica ruptura com a reforma de Trento. Assim a vocação do nosso seminário São Carlos Borromeu é a de viver o espírito conciliar do Vaticano II sem renegar a herança espiritual de Trento. Conhecer o que significou a renovação de Trento, sem saudosismos inúteis, pode nos ajudar a amar mais ainda o caminho iniciado pelo Vaticano II.

Alguns afirmam que os documentos do Vaticano II estão eivados “de um humanismo laico e profano”, “do culto do homem que se opõe radicalmente à fé católica”. É preciso rejeitar com vigor essa acusação contra o concílio, e, ao mesmo tempo, lutar contra o erro apontado. Nosso Seminário está chamado a preparar pastores que ajudem a mostrar a diferença que há entre o espírito do Concílio e o seu antiespírito (cf. Bento XVI, Discurso à Cúria Romana, 22 de dezembro de 2005), que saibam instruir bem as pessoas no sentido correto da renovação e que promovam a unidade.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.