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Marília Mendonça: o impacto psicológico das mortes precoces e inesperadas

Artigo escrito por Andréa Ladislau

10 de Novembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Andréa Ladislau.
Andréa Ladislau. (Crédito: Divulgação)

Um luto coletivo. Uma perda que nos faz repensar a morte e repensar a vida. Uma dor aumentada por ter sido ceifada em seu auge. A morte de Maria Mendonça, cantora sertaneja de 26 anos, em um trágico acidente aéreo, suscita reflexões do tipo: como lidar com as perdas inesperadas de pessoas queridas? como lidar com o sumiço imediato de pessoas que, em um piscar de olhos, sabemos que nunca mais veremos? estamos preparados para isso?

Dores intensas que demonstram as fragilidades, vulnerabilidades do ser humano ao se ver frente a um processo de finitude. A verdade é que não estamos nunca preparados. No entanto, a grande questão está relacionada a como devemos passar pelo processo de elaboração do luto, seja ele coletivo ou não. Apesar da dor, a consciência da morte de alguém querido é saudável e uma ótima oportunidade para rever e mudar a sua própria vida, encontrando formas de melhorar no que for preciso a cada dia.

É claro que, sabemos todos que não há uma morte anunciada. Todo dia pode ser nosso último dia nessa trajetória chamada vida. E, infelizmente, essa consciência só se faz realmente presente quando vemos a morte se aproximar de alguém que conhecemos, seja famoso ou não. A grande verdade é que estamos sempre envolvidos na pressa de viver. Na urgência efêmera da vida que nos agita e nos leva a extremos de sensações e sentimentos.

E este é, talvez, o principal motivo pelo qual evitamos pensar na morte. E tudo bem por isso. A grande realidade é que não queremos nos certificar do quanto nossa estadia neste mundo é limitada e que não temos o controle de nada. Pois bem, ninguém está no controle de nada. A angústia, o medo e a insegurança do ser humano estão alicerçados exatamente na condição de não conseguir controlar o que irá acontecer no minuto seguinte. Quando as questões fogem das nossas mãos nos sentimos vazios, frágeis e perdidos.

A morte, por mais presente que esteja, precisa ser lembrada para que possamos aprender a valorizar a própria vida. Não dá para ficar pensando nisso a todo momento, não é preciso viver sob a atmosfera do medo. Mas é importante viver a cada dia tentando fazer o seu melhor e ser melhor para você e para o outro. Visto que, somos seres humanos e imperfeitos e saber lidar com nossas imperfeições, certamente, é o nosso maior aprendizado. Pois, nada é para sempre. Celebrar e honrar a vida é a forma mais genuína de reconhecer nossas potencialidades.

Dentro de um luto coletivo, onde multidões lamentam a mesma partida e se amparam na mesma dor, surgem várias questões que consternam as pessoas e nos fazem refletir sobre a necessidade de viver um dia de cada vez, valorizar as pequenas coisas da vida, aproximação de quem amamos, dizer que amamos, verbalizar o que se sentimos e o que o outro representa para nós.

Não fechar os olhos para a dor e expressar o sentimento pode aliviar e ajudar a elaborar as emoções e os sentimentos que estão sendo evidenciados. É muito válido para nosso equilíbrio emocional não deixar para depois. Praticar a empatia, o autocuidado e a gratidão por estarmos vivos.

Perdas súbitas e inesperadas podem nos levar, naturalmente, a desconfortos físicos e emocionais. Tristeza profunda, dores no peito, sensações de afogamento e até a momentos de depressão profunda; reações dolorosas que podem surgir e se perpetuar quando não exploradas todas as etapas do luto. Estudos demonstram que os estágios precisam ser vividos para que a aceitação, última etapa do luto, venha coroar a necessidade real de seguir a vida. De continuar trilhando seu caminho, mesmo com a memória do outro que se foi.

É preciso, desta maneira, compreender a morte como um remédio amargo, do qual estamos todos sujeitos a tomar um dia. É inevitável. Apesar de estarmos sempre em busca de respostas, as interrupções da vida são carregadas por angústias, questionamentos e uma mistura insana de emoções.

Nestes momentos, lembramos dos beijos que não demos, dos abraços que ficaram escondidos e dos afetos que nunca chegamos a retribuir ou expressar. Vem a indignação e a culpa velada no inconsciente. Pois, sempre acreditamos que ainda teremos tempo de aparar arestas, de aproveitar mais, ou mesmo de viver aquilo que postergamos. Estamos sempre sofrendo por antecipação. Aliás, o ser humano vive a dor do futuro e esquece do momento presente. No entanto, uma lição que deve ser aprendida com a importância de se vivenciar o luto é que nenhuma morte será capaz de apagar a memória de quem vive em nós, mesmo que a interrupção seja abrupta e precoce.

Enfim, Marília Mendonça se foi, assim como tantas outras almas que se desligaram por conta de um vírus invisível que nos assolou e ainda nos assola. E o que temos para viver é o hoje. Pensar na falta que a vida lhe fará um dia, refletir sobre nossa vida agora. Morrer é inevitável, mas viver bem é uma arte diária que temos o privilégio de saborear.

Portanto, viva hoje amando, dizendo o quanto ama, demonstrando afeto, favorecendo seus desejos, buscando leveza para seus dias e sua alma, se afastando de tudo o que lhe traz sensações desagradáveis e lhe tira a paz. Isso sim está na sua mão. Está em seu controle. Basta desenvolver o autoconhecimento, reconhecer suas forças, fraquezas, elevar sua autoestima e compreender o quão importante você é para si e para muitos. Valorize sua vida e sua história que é única.

Lembrando sempre que você é o amor da vida de alguém. Portanto, honre a vida e cuide cada vez mais de suas relações, valorizando as coisas boas que o outro lhe traz. Isso ajuda a minimizar a dor da perda e a criar mais empatia.

Episódios como esses mostram o quanto a morte pode ridicularizar as nossas urgências, revelando nossas fragilidades e nos fazendo concluir que precisamos amar mais e viver um dia de cada vez.

Andréa Ladislau é psicanalista e palestrante.