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Turismo diferente

Artigo escrito por Edgard Steffen

06 de Novembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

‘Cause this is thriller /Thriller night
There ain’t no second chance
(Versos de Thriller sucesso de Michael Jakson)

Cemitérios fazem parte de roteiros turísticos, culturais e históricos. Você pode não concordar com a ostentação mas, túmulos e inscrições ajudam na identificação de gente que fez a diferença na comunidade e nos valores de seu tempo. Em excursão histórica e cultural o incansável José Rubens Incau -- membro da Academia Sorocabana de Letras -- conduz visitantes às igrejas, monumentos e cemitérios da cidade. As lápides e esculturas facilitam a localização de túmulos das figuras que fizeram a história da Terra Rasgada. Plaquetas escondidas em meio à grama nas modernas necrópoles dificultam esta função.

Quem visita o Cemitério de Arlington (Virginia, USA), destinado predominantemente a militares, se emociona na cerimônia da troca da guarda do túmulo ao soldado desconhecido. Três combatentes não identificados da 1ª e 2ª Guerras Mundiais e da Guerra da Coreia são diuturnamente velados com respeito litúrgico por jovens rigorosamente escolhidos e impecavelmente fardados. Entre notáveis civis do Arlington, sepultados os Kennedy (Bob, JFK, Jackeline) e Albert Sabin, judeu polonês/americano que livrou milhões da paralisia infantil.

Cemitérios fazem parte de roteiros turísticos. O city-tour de Buenos Ayres inclui visita ao bairro da Recoleta e ao seu cemitério -- o segundo mais visitado do mundo. Ali, em túmulo relativamente modesto, se comparado aos das famílias VIP da época de ouro da Argentina, estão os restos mortais de Evita. Eva Duarte Peron morreu de câncer uterino aos 33 anos. Mais peronista que o próprio Peron, tornar-se-ia objeto de culto pelos “descamisados” que ela midiaticamente ajudava. Seu corpo embalsamado gerou funéreo esconde-esconde e até exílio secreto. Sepultado em pátria alheia, foi repatriado após ferrenhas brigas.

Não visitei cemitérios em Londres. Gostaria de ter conhecido o Highgate (dentro do parque Hamstead) onde está sepultado Karl Marx. Não para ver a cabeçorra do filósofo alemão nem conferir a inscrição “Workers of all lands, unite”, mas para conhecer a cabana (será que ainda está lá?) de Donald Horner, morador de rua. A disputa entre o teimoso vagabundo e as autoridades londrinas gerou o filme “Hampstead - Nunca é tarde para amar”, estrelada por Dianne Keaton.

No trajeto Londres-Paris nosso ônibus de turismo passou ao lado de multidão de cruzes brancas indicadoras das covas de combatentes da Guerra Mundial (14 - 18). Essa guerra das trincheiras foi a campeã na morte de combatentes. Fora da área dos combates, a vida nos vilarejos transcorria quase normal. Na 2ª Grande Guerra (1939 - 45) a situação se inverteu: os artefatos de guerra (e a insânia dos governantes) mataram mais civis que soldados.

Alguns cemitérios fazem parte dos roteiros oferecidos na capital da França. Jovens não gostam desse tipo de turismo, mas ajudaram o Père-Lachaise ser o mais visitado do mundo, desde que Jim Morrison -- da banda de rock “The Doors” -- foi ali sepultado. A maioria desses fãs ignora o drama de Abelardo e Heloísa, ou escritores (Balzac, Proust, Oscar Wilde, La Fontaine), gênios dos palcos (Molière, Sarah Bernhardt), da música (Chopin, Bizet,) da pintura (Delacroix). Talvez nem se lembrem de Champolion, que decifrou os hieroglifos. Ou dos fundadores do kardecismo e do positivismo. Quiçá tenham ouvido a majestática Maria Callas ou a sofrida Edith Piaff. Quebram o silêncio do campo santo com seus instrumentos eletrônicos altissonantes para homenagear o superstar do rock.

Nos anos 80 houve verdadeira epidemia de escoriações e ferimentos corto-contusos entre adolescentes. Não foi difícil identificar a causa. Correrias, apostas e outras agitadas atividades na escuridão dos cemitérios. A moda começou depois do sucesso do videoclipe “Thriller” estrelado por Michael Jackson (1982/3). Evoca filmes de terror numa espécie de Hino do Halloween. Estrondoso sucesso, 23 prêmios auferidos. Envergando jaqueta vermelha o astro pop canta e dança rodeado de zumbis.

Edgard Steffen ([email protected]) é médico, escritor e membro da Academia Sorocabana de Letras (ASL).

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