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"Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime" (parte 4 de 7)

Artigo escrito por Nildo Benedetti

05 de Novembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
"Os sete pecados mortais", de 1933, de Otto Dix: no centro, a Morte, conduzida por Hitler". (Crédito: REPRODUÇÃO)

O lado sombrio do inconsciente está presente em todos, mas com diferentes tendências de liberar as pulsões de vida e morte. A intensidade dessas tendências depende de nossa história de vida, nosso ambiente familiar, natural e social, nossos mecanismos de defesa que orientam a agressividade para ações socialmente aceitáveis (esportes, estudo etc.). É isto que nos faz diferentes uns dos outros.

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O que escrevi até aqui com respeito a livre-arbítrio, necessidades e pulsões, é essencial para captar o funcionamento mental dos seres humanos. Passamos a entender porque mensagens de ódio atraem mais do que por mensagens de amor. E também porque alguns políticos congregam tantos seguidores fanáticos e ferozes, independentemente de suas mentiras e da sua estupidez, inconsistência e volatilidade de ideias. O que os torna atraentes é justamente o fato de não mostrarem quaisquer sentimentos de compaixão e empatia e de expelirem ódio contra tudo e contra todos. São autoritários e parecem sonhar com uma guerra civil fratricida.

É do manuseio dessas mesmas tendências agressivas do ser humano que empresas gigantes que controlam as redes sociais se fundamentam para atrair o público. Conforme depoimento de Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook, elas criam dependência para propagar o consumo e portanto, aumentar seu lucro; mentem, incentivam a discórdia que às vezes custa vidas, pouco ou nada fazem para controlar o crime organizado (embora disponham de informações privilegiadas sobre ele), induzem pensamentos suicidas em adolescentes etc.

Quando se estabelece a sinistra conjunção de política nazifascista e o lado obscuro da tecnologia da informação, tudo se torna mais perigoso para a vida social e individual.

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O depoimento de Elize no documentário deve ser aceito com reservas, uma vez que ela teve tempo de se preparar para as perguntas que lhe seriam feitas depois de nove anos de cometer o crime. Pode ter vários níveis de verdade e de embuste, pode ser que ela, involuntariamente, esteja distorcendo os fatos. As lembranças podem ser enganadoras, porque constantemente alteramos nossas memórias para que o passado não entre em conflito com o presente. Também não podemos afirmar o quanto é sincera sua obsessão de reencontrar a filha. Porém, se aceitarmos como correta a argumentação de Freud exposta acima sobre liberdade e necessidade, concluiríamos que Elize estaria atendendo a uma demanda ingovernável do inconsciente e, portanto, merece ser compreendida.

Mas, perguntará o leitor: se todos os atos criminosos forem compreendidos e perdoados, como será possível a vida em sociedade?

Dante Alighieri, em “A Divina Comédia”, narra a história de Francesca da Rimini que se tornou amante de Paolo, irmão de seu marido. Ao descobrir a traição, o marido assassina a esposa e o irmão. Em sua obra, Dante colocou Francesca e Paolo no Inferno pelo pecado de adultério. Ela relata ao poeta sua história de amor e, ao ouvi-la, ele desfalece.

O escritor argentino Jorge Luis Borges expôs quatro possibilidades para explicar o desfalecimento de Dante, em um ensaio que apropriadamente intitulou “O carrasco piedoso”: Dante, atua como carrasco quando põe Francesca no Inferno, mas tem piedade dela e desmaia.

Continua na próxima semana.

Está série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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