Buscar no Cruzeiro

Buscar

Não é que velhice virou doença?

Artigo escrito por Edgard Steffen

30 de Outubro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

Estou bem assim sozinho,
remoendo minhas lembranças,
acompanhando com avidez o avançar das rugas,
os cabelos brancos cada vez mais raros...
(Versos do monólogo “O Velho”, de Zeca Corrêa Leite)

O patriarca Matusalém, filho de Enoque e avô de Noé, virou sinônimo de longevidade. Dele livros religiosos extrabíblicos falam mais que as Sagradas Escrituras. A ele a Bíblia dedica poucas linhas. Matusalém viveu 969 anos (Gênesis 5:27). Não há consenso na explicação para a contagem de seus anos.

Por falar em consenso... No início dos anos 90, a OMS produziu uma classificação de doenças e causas de morte com objetivo de padronizar enfermidades e problemas ligados à saúde em todos os lugares do mundo. A primeira versão -- CID9 (Classificação Internacional de Doenças) -- foi sucedida pela CID10. Ambas codificam agravos à saúde num sistema alfanumérico. Letras de A a Z indicam os grupos pela sua natureza, enquanto os números de 0 a 9 os especificam. A primeira doença é a cólera, codificada A0.0. A poliomielite aguda é A80 e o sarampo B05. Doença pelo novo coronavírus foi incluída e codificada B34.2.

No dia 1º de janeiro de 2022, passará a vigorar o CID11. Esta versão inclui algumas doenças novas e altera a classificação de outras. Senilidade (R54) será substituída por Velhice e receberá um código inclusivo entre as doenças do bicho-homem.

Posso não haver entendido direito, mas, parece que fui tirado da 3ª Idade -- com direito a bem-estar subjetivo, resiliência e (às favas a modéstia!) sabedoria -- e jogado numa categoria patológica. Só porque estou durando mais que o esperado. Não vou protestar. Faço companhia a ilustres como FHC, Sílvio Santos e Fernanda Montenegro. Para não sair daqui, coetâneo de Laelso Rodrigues, João Rozas Barrios e Aldo Vannucchi. Não que sejamos “reis da cocada preta”. Nosso privilégio é sobreviver com qualidade de vida. Muitos outros poderiam ser lembrados. Não caberiam neste espaço. Somos como fuscas usados; mais avaliados pelo estado de conservação que pelo ano de fabricação.

Parênteses. Transmigrado para o Brasil, o guloso D. João VI não abria mão do privilégio de comer cocadas recém-saídas do fogo, antes de qualquer outra pessoa. Os brasileiros usaram, e usam, a expressão para debochar de arrogantes que se comportam como se fossem reis ou rainhas.

Por falar em rainha (sem cocada preta) leio que nossa ilustre coetânea está sendo aconselhada a desistir de seu coquetel noturnal. Elizabeth II, 95 anos de idade e 69 de reinado, gosta de sorver um martini seco todas as noites. Longeva como suas genitoras (mãe Isabel Bowes-Lyon faleceu com 101 anos; avó, Maria de Teck, com 86), SM gosta de uns drinques. Mas não enche a cara, como faziam, espalhafatosamente, a irmã Princesa Margareth e, discretamente, a Rainha-mãe.

Médicos (com todo respeito que lhes é devido) são profissionais chatos. Proíbem o que gostamos e nos mandam fazer chatices. Nos tiram o prazer da mesa e nos obrigam andar a pé. Fizeram Elizabeth passar uma noite internada num hospital para submetê-la a exames, sob pretexto de prepará-la para as bodas de platina de seu reinado. Querem a longeva soberana longe do Martini noturnal. Será por causa da azeitona muito salgada!?... Liberaram o drinque apenas para ocasiões especiais. SM vai poder chorar a mágoa por Barbados ter retirado seus retratos das repartições públicas (o país ilha virou república) ou aliviar o cansaço pelo muito trabalho (chegou a participar de três eventos oficiais em um só dia). Ocasiões especiais não lhe faltarão. Vamos torcer para que continue respeitando a advertência “Consuma com moderação”.

De minha parte, vou ver se sobrou algum escocês no bar da estante. O copo on the rocks pode ser plebeu, mas o Joãozinho Passeador é suficiente nobre para o brinde à Sua Majestade e aos meus longevos amigos.

“Long live our noble Queen...” e a nós também. Saúde!


Fontes de Consulta:
Google e Wikipedia
Estadão Miguel Roberto Jorge 19/10/2021, pag. A5
Estadão Lei seca no palácio 19/10/2021, pag. A19

Edgard Steffen ([email protected]) é médico, escritor e membro da Academia Sorocabana de Letras (ASL)