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'Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime' (parte 3 de 7)

Artigo escrito por Nildo Benedetti

29 de Outubro de 2021 às 00:01
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Elize (E) e sua advogada.
Elize (E) e sua advogada. (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Encerrei o artigo da semana passada afirmando que o destino, para a psicanálise, refere-se às escolhas que somos levados a fazer, fruto de nossa organização psíquica e determinadas por um inconsciente ingovernável que atua de modo independente da nossa vontade consciente. Os desejos recalcados no inconsciente são aqueles proibidos, que não podem ser aceitos ou assumidos na esfera desse mesmo aparelho psíquico. Vamos construindo nossa vida e nossa história a partir das pulsões de vida e morte, da capacidade de nosso aparelho psíquico para gerenciar nossos conflitos internos e do contato com o ambiente externo representado pelo outro. Como o inconsciente é isento de moralidade, pode nos levar a fazer o mal ou o bem a qualquer momento. Quando menos esperamos, podemos ser impelidos a cometer atos de que, conscientemente, nos julgávamos incapazes de cometer.

Gostaria de completar o parágrafo anterior recorrendo ao artigo intitulado “Considerações sobre a causalidade psíquica e a escolha na Psicanálise” de Germano Quintanilha Costa e Gilberto Gomes. Por meio de cuidadosa argumentação, cobrindo um largo período de tempo da vida de Freud e de seus escritos, os autores discutem a questão do livre-arbítrio (a liberdade) e do determinismo (a necessidade) na perspectiva da psicanálise. Afirmam que Freud sempre esteve seguro da aplicação universal do determinismo nos eventos psíquicos. A compreensão dos sonhos e das variadas formas de lapsos de consciência os atos falhos são, para Freud, provenientes da ação dos desejos inconscientes e, portanto, portadores de um sentido que o indivíduo conscientemente desconhece. Foi justamente a noção de determinismo psíquico que levou Freud a levar a psicanálise ao estatuto de uma ciência. De fato, se tivéssemos a faculdade de agir exclusivamente com liberdade, a própria psicanálise seria desnecessária como ciência, porque preceitos éticos e morais seriam absorvidos pelo sujeito através da educação e estaria assim assegurada a sua adaptação em sociedade e seu próprio bem-estar. Mas o que ocorre é que é exatamente o contrário. Durante séculos as instituições, incluindo as religiosas, foram incapazes de conter, e nem sequer atenuar, a agressividade inerente ao ser humano.

Freud mostrou que as forças inconscientes prevalecem sobre as conscientes e, por isso, o inconsciente restringe a liberdade consciente do sujeito, seja em grau maior, nos quadros ditos patológicos, seja em grau menor, na vida cotidiana. Como o sujeito é basicamente dirigido por seu inconsciente, sua capacidade de decisão não pode ser considerada como liberdade, porque suas escolhas são restritas e não totalmente livres. Em “Psicologia de grupo e análise do Ego”, Freud transcreveu uma passagem de Gustave Le Bon: “Nossos atos conscientes são o produto de um substrato inconsciente.

O inconsciente é amoral, mas isto não significa que sejamos todos uns canalhas. Maria Rita Kehl escreveu que a dimensão moral do indivíduo não está do lado das pulsões inconsciente, mas do que nós fazemos com elas. A melhor forma de aprendermos a lidar com a violência que nos habita é admitirmos sua presença, porque quanto mais a ignoramos, mais somos vítimas de suas manifestações.

Continua na próxima semana

Está série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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