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Cooperativa de mulheres

Artigo escrito por Mário Eugênio Saturno

26 de Outubro de 2021 às 00:01
Mário Eugênio Saturno.
Mário Eugênio Saturno. (Crédito: Divulgação)

Sempre gostei de histórias em que mulheres são protagonistas. Próximo dos 60 anos e sendo homem, sei das dificuldades para fazer história, especialmente a que faz crescer a Pátria! Fiquei fascinado com a história da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc).

Essa cooperativa foi fundada em grande parte por mulheres, em 2004, na Bahia, e tornou-se referência na produção orgânica de frutas nativas da caatinga, como o maracujá e o umbu, que é o carro-chefe das agricultoras. E o umbuzeiro está ameaçado de extinção, mas que, por causa da Coopercuc, tem sido preservado e multiplicado pelas comunidades rurais. Ou seja, a ação das mulheres está preservando uma riqueza nacional.

Curiosamente, as protagonistas da história nem são brasileiras. São canadenses e são religiosas católicas. Tudo começou com a chegada de três freiras católicas ao município baiano de Uauá, em 1986: Monique Fortier, Martha D’aoust e Jaqueline Aubly. Elas faziam parte do movimento das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), da Igreja Católica, que foi muito importante para a formação religiosa e para a organização social e política das populações mais pobres nesse período.

As freiras visitavam as comunidades promovendo a formação comunitária, inicialmente em Uauá e, depois, em Canudos e Curaçá. E tudo aconteceu em um momento que não se permitia às mulheres estudar ou trabalhar fora ou ter sua própria renda. Segundo diversas cooperadas, os homens achavam que, nos encontros da igreja, as mulheres estudavam a Bíblia. Mas, era muito mais do que isso. As irmãs estavam fazendo uma transformação social na cabeça das mulheres. As freiras diziam: “Criem galinhas, façam uma horta, colham o umbu, tenham o seu sustento, para não depender somente dos seus maridos”.

As irmãs Monique, Martha e Jaqueline, então, começaram a incentivar as mulheres de Uauá a participar das decisões de suas comunidades, em uma época em que não havia presença feminina nas associações rurais ou nos movimentos sociais.

As freiras tiveram um papel fundamental para a conscientização dos meninos também, porque muitos deles queriam sair de suas comunidades para trabalhar fora. E elas ensinavam a valorizar o semiárido.

Assim, quando as mulheres fundaram a cooperativa, todos já entendiam como funcionavam as decisões coletivas.

As irmãs, finalmente, organizaram a vinda do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa) à região, uma ONG que atua com técnicas de manejo apropriadas à vegetação e ao clima do semiárido. E, em 1997, as mulheres das comunidades de Uauá, Canudos e Curaçá receberam dessa ONG um curso de beneficiamento de frutas do semiárido para fazer compotas, doces e geleias, dando início a esta atividade produtiva que levou à cooperativa.

Hoje, dos 270 agricultores familiares cooperados, 70% são mulheres. Elas transformam as frutas das colheitas em doces, geléias e polpas que, além do Brasil, já conquistaram os mercados da França, Itália, Áustria e Alemanha. Histórias assim que poderiam ser construídas pelo Brasil por humanos de boa vontade!

Mário Eugênio Saturno (cientecfan.blogspot.com) é tecnologista sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e congregado mariano.