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As cinzas das pessoas cremadas

Artigo escrito por Dom Julio Endi Akamine

24 de Outubro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Dom Julio Endi Akamine
Dom Julio Endi Akamine (Crédito: Manuel Garcia (11/7/2019))

A prática da cremação tem se difundido bastante, o que tem levantado a questão do que fazer com as cinzas das pessoas cremadas.

Da mesma forma, têm se difundido práticas que não estão de acordo com a fé cristã: a conservação das cinzas nas casas, a transformação delas em cristais e em peças de joalheria, a repartição das cinzas por diversos núcleos familiares, a dispersão das cinzas na natureza.

A Igreja Católica sempre orientou os fiéis a manter o costume de enterrar as pessoas falecidas ou de conservar suas cinzas em lugares sagrados. Quais são as razões para tal tradição?

A primeira razão é a fé em Cristo, que foi morto, sepultado e ressuscitado. O sepultamento dos fiéis é uma forma de imitação de Cristo: ao lembrar a morte, a sepultura e a ressurreição de Cristo, a inumação é a forma visível e concreta mais apropriada para exprimir a nossa fé: como Jesus foi sepultado e ressuscitou, assim também o cristão sepulta os falecidos na esperança da ressurreição.

Além disso, enterrando os corpos dos defuntos, a Igreja demonstra o grande respeito que tem pelo corpo humano como parte integrante da pessoa que ressuscitará em comunhão com Cristo. Também as cinzas dos fiéis devem ser respeitadas com uma realidade pessoal: nenhuma pessoa pode ser reduzida a objeto de posse ou a peça de joalheria nem em vida tampouco na morte.

É também um desvio da fé cristã esconder ou privatizar o acontecimento da morte e o seu significado. Infelizmente a morte tem se tornado um evento cada vez mais escondido e privatizado. A morte com tudo o que ela envolve: funeral, enterro, exumação, parece ser um ato obsceno a ser ocultado da vista e vivido somente no privado de um grupo cada vez mais limitado de pessoas.

A sepultura dos corpos dos fiéis ou a inumação de suas cinzas nos cemitérios ou em outros lugares sagrados favorece a memória e a oração pelos defuntos da parte de seus familiares e de toda a comunidade cristã. Assim, quando um cristão visita o cemitério, ele não reza somente pelos seus, mas por todos os que ali estão sepultados. Assim nenhum falecido é esquecido pela solicitude da Igreja, mesmo os que não tiveram descendência para perpetuar a sua memória. Dessa forma, os túmulos se tornam lugares de oração e de memória não só para a primeira geração, mas para as sucessivas e para toda a comunidade cristã. Exprime-se assim a comunhão dos santos: ninguém é esquecido ou deixado de lado pela oração da Igreja.

A Igreja acompanha como mãe o filho de sua graça durante toda a sua peregrinação terrestre; e ela continua a acompanhar, como mãe amorosa, todos os que faleceram e estão sepultados nos cemitérios. Mesmo que estejam mortos há muito tempo, mesmo que não haja mais família para se lembrar deles, mesmo que sua memória tenha passado há tempos, a Igreja não esquece nenhum de seus filhos, e a sepultura ajuda a comunidade cristã a estar próxima dos falecidos e em comunhão de fé, esperança e amor.

Também é um erro espalhar as cinzas no ar, na terra ou na água. Deve-se evitar essa prática por causa dos equívocos que ela pode causar no fiel cristão. Sabemos que essas práticas estão eivadas de crenças panteístas (tudo é deus), naturalistas (a morte completa somente um ciclo natural) ou niilistas (não há ressurreição).

Recomendo como leitura muito importante de orientação e de doutrina a Instrução Ad resurgendum cum Christo, a propósito da sepultura dos defuntos e da conservação das cinzas da cremação, da Congregação para a Doutrina da Fé. https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20160815_ad-resurgendum-cum-christo_po.html

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.