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O menino e o seu pai

Artigo escrito por Vanderlei Testa

19 de Outubro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: ARTE: VT)

Uma imagem fala mais que mil palavras. Escrevi mil palavras e admirei a foto do menino e seu pai. Fiquei observando a fotografia que chegava às minhas mãos como um apreciador de arte faz em pinturas dos grandes mestres. Já estive no Museu do Louvre e pude passar horas apreciando as maravilhas que pintores consagrados deram às suas telas. Em nossas casas, viagens de lazer em família, passeios, momentos da nossa história, antigamente havia as máquinas fotográficas que faziam suas poses para serem reveladas em estúdios. Rolos de filmes de 12 a 36 poses, quando seguiam às lojas para revelação levavam dois a três dias para retornarem. No começo, tudo em preto e branco. Guardo muitas dessas fotos com meus pais, irmãos e família. A evolução para o colorido levou anos. Lembro-me dos filmes coloridos colocados em pequenas peças de plástico onde tínhamos que levar os olhos até uma pequena lente. O saudoso Lima Duarte cuidava das minhas encomendas de revelação. Ele avisava para entregar até 16 horas porque o moço da Curt passava com o malote para levar a São Paulo. Contava que eram processadas todas as fotos recolhidas em Sorocaba numa única vez planejada pelo laboratório.

A imagem que ilustra este artigo é em preto e branco. Tive contato com ela ao ler o Cruzeirinho, do Dia das Crianças. Estava com outras imagens referentes a pessoas em idade adulta e quando criança. Entre elas, a do arcebispo metropolitano de Sorocaba, dom Julio Endi Akamine. Ele, adulto e criança, em um banco de praça com o seu pai. Chamou à minha atenção de imediato as mãos do pai. O fotógrafo foi feliz registrando esse gesto, digno de um quadro de galeria, com tema afetividade e paternidade. Olhe bem a imagem. Foque na mão direita do pai do bebê. Sinta os seus dedos fortes tocando com maciez os dedinhos do garoto. Há nesse toque a caricia com os dedos e uma linguagem somente entendida por quem a recebeu. É como se fosse o pai dizendo: -- “Filho, como você é um dom de Deus em nossa vida”. O olhar do pai, distante no horizonte, devia estar contemplando a beleza do jardim da praça de Garça (cidade do interior SP) e, como numa união da natureza com o ser humano, aqueles dedos faziam me lembrar da imagem que vi na Capela Sistina, no Vaticano, na obra de Michelangelo. A energia do toque do amor cria o mundo no pensamento do artista e, naquela pracinha, criava um sentimento de segurança e presença à vida.

O menino olhava para o lado direito, atraído com certeza pela presença da mãe. O seu olhar de criança naquele instante é precioso na imagem. Há nele um mundo desconhecido na sua inocência. O que será que está fazendo a mamãe? A sua atenção e contemplação estava sendo a arte plástica da foto que estou descrevendo. Um olhar do menino Julio que se mantém do mesmo jeito até hoje, quando já tive a oportunidade de fotografá-lo e filmá-lo dezenas de vezes. A mesma serenidade de olhar que transmite paz o acompanha nestes seus 58 anos de vida.

O braço esquerdo do pai com as mãos no ombro do menino e as suas mãozinhas soltas no colo, manifestam mais uma vez a proteção. É como se dissesse: “Filho pode confiar”. A liberdade da mãozinha transmite um caminho a seguir. Sem que ele naquela idade de um ano pudesse saber do seu futuro, essa liberdade significava vai em frente com a vida que Deus lhe deu, que papai sempre estará com você.

Na foto vi também os pezinhos soltos e calçados, prontos para dar os seus primeiros passos no jardim da vida. Para se chegar ao banco, com as mãozinhas dadas aos pais, o menino andou os seus passinhos pelos canteiros de flores, ouviu os pássaros cantando, sentiu o brilho do sol e o frescor do vento no seu rosto. Olhou crianças com os pais na pracinha, viveu um dia diferente de passeio em um final de semana em meio ao trabalho do pai durante a semana. Julio não sabia disso -- pela sua idade --, mas no seu crescimento, foi conhecendo a rotina dos pais. E vida que segue, o tempo passa, mas as imagens do passado permanecem como a riqueza de uma pequena vertente de água que se transforma em riacho, rio, cachoeira, em mar. Quando entramos em contato com a nossa infância, descobrimos em pequenos gestos, como esse da foto e das mãos, como são privilegiados aqueles que fazem parte de uma família. Hoje, como arcebispo, dom Julio usa as suas mãos e braços na vocação à missão. Aquele menino da foto seguiu os seus passos e liberdade vocacional e é um testemunho vivo da Igreja na sua caminhada, como faz em serviço neste Sínodo aberto pelo papa Francisco.

No dia 9 de outubro de 2021 o papa Francisco abriu o Sínodo 2021-2023 sobre o tema “Sinodalidade”. Francisco disse que precisamos viver este Sínodo no espírito da ardente oração que Jesus dirigiu ao Pai pelos seus: “Para que todos sejam um”. “É a isso a que somos chamados: à unidade, à comunhão, à fraternidade que nasce de nos sentirmos abraçados pelo único amor de Deus”.

Francisco concluiu a sua fala na abertura, desejando que “este Sínodo seja um tempo habitado pelo Espírito! O Espírito Santo é Aquele que nos guia para onde Deus quer, e não para onde nos levariam as nossas ideias e gostos pessoais”.

Em Sorocaba, houve no dia 17 de outubro, celebração de missa presidida por dom Julio Endi Akamine e abertura do Processo de Escuta Sinodal na Igreja Local. O ato litúrgico foi realizado no Santuário de Aparecidinha com bênção e envio da Equipe Sinodal Arquidiocesana, que reúne padres, diáconos, paróquias, associações, leigos, todos convocados a participar do que está sendo chamada a maior pesquisa democrática da história da Igreja Católica. Acompanhe o Sínodo no (www.synod.va/)

Vanderlei Testa é jornalista e publicitário. Escreve às terças-feiras no jornal Cruzeiro do Sul. Contato: [email protected]