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Nos bailes da vida

Artigo escrito por Dom Julio Endi Akamine

17 de Outubro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Dom Julio Endi Akamine
Dom Julio Endi Akamine (Crédito: Manuel Garcia (11/7/2019))

Foi uma apresentação digna de medalha de ouro. Quanto a isso não há dúvida, nem há como desmerecer as pessoas envolvidas na belíssima apresentação: técnicos, coreógrafos, ginasta e outros, que estão nos bastidores, igualmente merecem a premiação máxima de ouro.

A apresentação já ocorreu há algum tempo, o que talvez permita uma reflexão mais objetiva. Acrescente-se a isso que não se trata de atacar pessoas. Por outro lado, não há como não me sentir envergonhado com a canção escolhida. Digo canção porque não se trata só de melodia, mas também de letra. Em outras canções, poderia até mesmo dizer poesia. Infelizmente, porém, não dá para gastar a palavra “poesia” para caracterizar a letra de “Baile de favela”.

Não tinha tido o desprazer de ouvir essa canção até as Olimpíadas de Tóquio. Por causa das influências da liturgia romana, que sempre privilegia a letra em relação à música, fui instigado, depois da medalha de ouro, a pesquisar essa canção. Foi fácil. Bastou o Google. Acho que se fosse mais difícil até teria, por preguiça, desistido de procurar a letra. Mas não! Está ao alcance dos dedos de maneira instantânea. E não só a letra, mas também o áudio e o videoclipe.

Confesso que foi difícil ler e ouvir até o fim.

Essa canção não me representa nem pode representar o Brasil. Infelizmente há alguns que a assumem como “arte” ou “expressão artística”. Fico pensando na imagem do Brasil que as pessoas de outros países podem ter a partir dessa descabida representante de nosso cancioneiro. Infelizmente muitas canções nos são enfiadas goela abaixo, ou melhor, em nossos ouvidos adentro somente por questões de mercado.

“Baile de favela” não é minha cara nem a cara do nosso País! Não representa as mulheres brasileiras tampouco os homens! Será que não há outras canções que possam representar com mais verdade e realismo o Brasil, seu povo, suas festas e bailes? Nosso repertório é assim tão limitado que não nos reste mais do que “Baile de favela”?

Sinto profunda tristeza por ser representado por “Baile de favela” e, mais ainda, ter que tomar conhecimento da promiscuidade que alguns bailes toleram ou, pior, promovem. Sofro ao tomar conhecimento, através de canções como “Baile de favela”, de uma realidade que não deveria ser tal, mas que alguns defendem como diversão e entretimento. Meu sofrimento é pessoal pois conheço muitos jovens pobres que podem se render a essa desordem moral. Angustia-me a possibilidade de estes jovens, cujos nomes e sobrenomes conheço, entrarem na mesma lógica de desprezo pela dignidade alheia em nome de uma liberdade mal-entendida e mal vivida.

Mais uma vez, gostaria de convidar a comunidade artística a uma reflexão sobre a própria arte. Quando se eleva o obsceno, o imoral e o feio à categoria de arte, ela se destrói a si mesma. Suplico que os artistas, atuais e futuros, ouçam o clamor das pessoas: “a gente quer arte!” Arte que eleve o espírito humano e faça desejar ser mais Aumano! Arte que tenha fé na beleza, pois “a beleza salvará o mundo” (Dostoiévski).

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.