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A melhor parte

Artigo escrito por Dom Julio Endi Akamine

10 de Outubro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Dom Julio Endi Akamine
Dom Julio Endi Akamine (Crédito: Manuel Garcia (11/7/2019))

Jesus foi se hospedar na casa de Marta e Maria (Lc 10,38-42). Foi acolhido com a alegria costumeira de uma autêntica e sincera amizade. As irmãs, porém, se comportaram de modo muito diferente com o amado hóspede: Maria se sentou a seus pés e o ouvia com atenção; Marta, por sua parte, estava ocupada e agitada com muitos afazeres. Em dado momento, Marta perdeu a paciência com sua irmã Maria e reclamou dela com Jesus.

Esse episódio vem logo em seguida da parábola do Bom Samaritano. Essa sucessão não é casual, pois a parábola do bom Samaritano poderia nos levar a pensar que na vida cristã só é necessário amar o próximo. Com efeito, alguns justificam que para se salvar não é preciso amar a Deus, nem vida de oração, tampouco frequentar os sacramentos, pois o importante é fazer o bem ao próximo.

Será que essa atitude é correta?

A resposta a essa pergunta nos é dada pelo próprio Jesus que responde à reclamação de Marta: “Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Uma só coisa, porém, é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”.

Entendamos bem essa resposta de Jesus.

Maria é aquela que presta atenção a Jesus. Ela escuta com atenção, mas não poderá permanecer somente na escuta. A melhor parte de Maria, portanto, não consiste em simplesmente ouvir e ficar só no deleite da escuta. Pelo contrário, a alegria de receber a Palavra deve se traduzir em atos concretos, em gestos de amor ao próximo. Nisso consiste a melhor parte.

Maria presta atenção a Jesus. Sua atitude não é a do místico que se eleva a Deus para fugir dos irmãos. Ela é a pessoa de fé que está atenta à Palavra de Deus e a traduz na vida prática. Não podemos confundir a melhor parte de Maria com uma falsa mística que procura se desligar do mundo para se preocupar somente com o divino. Encontrar Deus não nos afasta da responsabilidade por este mundo. Exatamente o contrário: a preocupação autêntica com a vida eterna nos faz ainda mais responsáveis por este mundo.

A melhor parte de Maria significa que devemos nos encontrar com Deus, nos deixar amar e instruir por Ele. Somente a partir desse fundamento, poderemos nos tornar em fonte de amor ao próximo.

Marta é advertida por Jesus não por se ocupar dos afazeres, mas porque a sua inquietude e agitação a impedem de ouvir o Senhor. Marta somos nós, quando nos deixamos tomar pelo trabalho repetitivo e esgotante e, por isso, ficamos culpavelmente sem tempo e sem disposição para nos colocar à escuta de Deus. Marta somos nós, quando caímos no erro de cumprir tarefas somente para termos uma desculpa para evitar a oração.

Marta, agitada e inquieta, não consegue se abrir ao Outro. Ela é bem-intencionada, mas está fechada em si mesma. Ela só se preocupa com suas coisas, está concentrada unicamente nas suas tarefas, seus preparativos, sua vontade de receber bem Jesus, mas se esquece de receber o Outro.

Para que o compromisso social cristão e o amor ao próximo sejam autênticos, precisamos ouvir a Palavra e nos abrir ao Outro. É a partir da aceitação do Mistério e da acolhida do amor de Deus que podemos nos converter em fonte de amor aos outros. As vocações de Maria e de Marta são diferentes, complementares e movidas por uma mesma intenção: receber Jesus que bate à porta. Assim o serviço e a escuta não são ações opostas na missão que Jesus confiou à Igreja.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.