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O doce de abóbora no fogão a lenha da Durcila

Artigo escrito por Vanderlei Testa

05 de Outubro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: ARTE: VT)

Ah! Como a vida nos revela pessoas deslumbrantes a cada dia. Mais que um elogio, é o reconhecimento das histórias semeadas com poesia, trabalho e amizade. Valores humanos -- e, não materiais --, permanecem para sempre nas gerações das famílias. Uma dessas pessoas é a dona Durcila ou Dulce, como gostam de chamá-la. O seu nome de batismo é Durcila Frauzino Monteiro. Foi casada com José Maria Monteiro, falecido em 2010. Tem a poesia na alma e se inspira para escrever ou falar com a voz doce dos seus 83 anos de idade. Ela faz da poesia uma companheira entoada em versos caprichados da sua escrita nos cadernos.

A música enobrece o ser humano. A arte e cultura aproximam sentimentos e desejos contidos no âmago da dona Durcila. Um dia decidiu e foi desfilar na passarela. Entre as modelos, saiu-se muito bem com o vestido preparado pela filha. Outro sonho e desejo era estar na Argentina dançando o tango de Gardel. Um dia arrumou a bagagem e partiu com duas filhas e o neto para Buenos Aires realizar mais um desejo. Dançou o tango e se divertiu sob as luzes das casas de tangos.

Na cozinha, a dona Durcila é uma expert. Seja na preparação e produção de pães caseiros ou nos seus pastéis e doces de abóbora. Ela tem, “como dizia sua mãe, a “Nha Benta”, uma mão cheia” para cozinhar as delícias do lar. As amigas e as filhas como a Inês Monteiro curtem essa vocação culinária, principalmente quando a mamãe Durcila acendia o fogão de lenha para dar maior toque original em seus pratos prediletos. Perguntei a dona Durcila de onde vinha tanta inspiração para os seus doces e salgados. A resposta teve duplo sabor. Um que era da sua mãe. O outro surgiu do nome de batismo da sua progenitora, Benta. Esse mesmo, o nome de uma famosa farinha e livro de receitas que transforma o trigo em deliciosas tortas, pastéis, bolos e doces. Durcila faz questão de frisar que sua mãe gostava de ser chamada “Nha Benta”. Sua lembrança dos pastéis e tortas a faz voltar à juventude ao lado da mãe que preparava com queijo, presunto e ovos.

Outra especialidade da Durcila Monteiro é a costura, os bordados em ponto cruz na sua máquina Singer antiga. Ela passa horas pedalando a sua máquina olhando a agulha e os fios coloridos sobre os tecidos agindo como terapia e fortalecimento aos seus músculos. A máquina, adquirida em 1963 foi comprada nas lojas Singer da rua Barão do Rio Branco. Ela recebia as encomendas finas e mais caras das amigas da dona Lourdes Rios Vieira de Souza, esposa do saudoso médico Newton Vieira de Souza. Ela encomendava às suas amigas as toalhas de casamento e banquetes, com mais de dois metros de extensão. Dona Durcila e irmã levavam cerca de seis meses para borda-las em tecidos de linho. Junto com a irmã Madalena, a dona Durcila caprichava em cada detalhe com pontos crivo e outros. Os vestidos brancos para as crianças em primeira comunhão na igreja exigiam maior carinho nos bordados solicitados pelas mães.
Ainda hoje, dona Durcila agradece em orações o apoio da saudosa dona Lourdes Vieira de Souza por ajudá-la com as suas encomendas e as das suas amigas. Até este dia 5 de outubro de 2021, há 58 anos, a máquina de costura Singer continua forte e vigorosa com os seus pedais movimentados pelos pés da dona Durcila em suas costuras.

Cansaço, uma palavra que nunca faz parte do vocabulário dessa vigorosa senhora com oito décadas de vida, alegre e disposta. Quando chegou aos 60 anos de idade e, com o tempo de contribuição social exigido, requereu a sua merecida aposentadoria. Conquistou, mas não parou de trabalhar. Continuou depois de aposentada, uma prestadora de serviço comunitário por mais 12 anos no Hospital Teixeira Lima. Sua filha Inês, diz que é “uma loucura” a vitalidade da mãe.

A luz do Espírito Santo a iluminou para ser catequista na Paróquia de Santo Antônio, vila conhecida como Árvore Grande, nos altos da av. São Paulo, onde mora. Desde quando foi morar no Jardim Cruzeiro do Sul, quando casou nos anos 70, dona Durcila se mantém até hoje na mesma casa, à rua dos Expedicionários. Durcila parecia que ia além do seu tempo das 24 horas do dia corrido de compromissos, conseguindo espaço na agenda das atividades para ser cuidadora de idosos.

Essa é a dona Durcila, que em sua juventude, mesmo com baixa estatura, se revelou como jogadora de basquete do Serviço Social da Indústria (Sesi). A dona Durcila (Dulce) Frauzino Monteiro teve nove partos em suas maternidades. Guerreira e supermãe, ela jamais se intimidou com os desafios da casa, trabalho ou de lazer. Andava de tirolesa, de barca nos rios, nas rodas gigantes dos parques de diversão e nos esportes topava tudo.

Sua televisão em formato de tela quadrada, com imagens em preto e branco, na época do lançamento do aparelho no Brasil, era usada como “cinema” na sua casa. Amigos e vizinhos se reuniam na sala para assistirem as primeiras novelas e programas sob os olhares atentos na telinha cheia de chuvisco da TV. Ao conversar com a dona Durcila, ela recordou do dia da década de 70 que foi com o marido numa loja de eletrônicos de Sorocaba, do Milton Muraro, localizada na rua Álvaro Soares, para comprar a televisão. O fogão a gás comprou na antiga loja do comerciante Lauro Miguel, da rua 15 de Novembro, no centro de Sorocaba.

A ideia de buscar histórias inéditas para os meus artigos, contando fatos de pessoas anônimas nas mídias, têm proporcionado a descoberta de personagens incríveis, como a dona Durcila. Ao conversar comigo, a leitora e assinante do jornal Cruzeiro do Sul manifestou a alegria que sente em ler semanalmente com a família as histórias publicadas no jornal.

Vanderlei Testa é jornalista e publicitário. Escreve as terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul. Contato pelo e-mail [email protected]