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Mil estranhos dias

Artigo escrito por Alexandre Garcia

30 de Setembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

A palavra mais citada no discurso de mil dias do presidente da República foi liberdade. Por quê? A liberdade de expressão, garantida pelo artigo 220 da Constituição, está em perigo.

E não é apenas a censura, embora vedada no mesmo artigo. As liberdades estão sendo cerceadas, como se uma vontade totalitária estivesse agindo, para estabelecer uma ditadura do tipo exposto por George Orwell, no seu brilhante livro “1984”.

Fico imaginando o inusitado que seria se o presidente, dia 21, na ONU, denunciasse que no seu país há censura, cerceamento de direitos fundamentais e presos por crime de opinião, sem o devido processo legal. Que aqui se estabelece o que pode ser dito e o que não pode. Certamente não fez isso porque iria prejudicar a imagem do País. Mas se tivesse denunciado, esse não seria o inusitado maior.

O maior inusitado é que censura, cerceamento de liberdades e prisões não são atos de um presidente chamado de autoritário, mas consequências de decisões da Corte encarregada de defender e guardar a Constituição e, pior, atos aplaudidos e apoiados por meios de informação e instituições de defesa das leis.

A pandemia acordou a natureza totalitária que estava dormida. E até o Legislativo se curvou, quando recebeu ordem de abrir uma CPI no Senado e, depois, de prender um deputado. O presidente da República resignou-se quando o Supremo decidiu que ele não poderia nomear o seu Diretor da Polícia Federal.

Lembro-me do Plano Cruzado, quando multidões se converteram em fiscais do Sarney e saíam a prender gerente de supermercado e de farmácia, como se fossem fiscais de quarteirão soviéticos ou Sturmabteilung de Hitler, enquanto a Polícia Federal entrava no pasto, sem mandado judicial, para prender boi gordo.

Nos dias de hoje repetiu-se com o lockdown, prendendo, com algemas e violência, gente que saía à praça, à praia, abria a loja, conduzia a carrocinha do sustento. Assustados pelos arautos da pandemia, nem sentimos que nos tiravam liberdades.

Hoje temos agências de censura, também chamadas de agências de checagem. Uma inquisição sob o nome de CPI, desrespeita os depoentes com ironias e gritos. Youtubers são levados a depor na polícia, como aviso e intimidação. Esses mil dias lembrados pelo presidente me fazem pensar que nos quase 30 mil dias de vida nunca senti tão próximo um cerco liberticída.

Alexandre Garcia é jornalista.