Diário de vida que nasceu de uma árvore
Artigo escrito por Vanderlei Testa
Hoje, dia 21 de setembro, é o Dia da Árvore. Os livros e papéis são “filhos da árvore”. O papel jornal que você têm nas mãos é graças a uma árvore. Tenho um diário onde anoto fatos de minha vida. Nele, escrevo algumas observações que considero interessante relembrar ou para contar em meus escritos. Em 30 de abril de 2005, os meus rabiscos citam as lembranças de 1991. Uma igrejinha, uma montanha e um caminho percorrido. Estava de férias em Mongaguá, cidade litorânea dos sorocabanos. Em especial, na fase dos anos 60 dos ferroviários, que como eu, tinham como lazer pegar o trem na Estação da Sorocabana e seguir com passe livre no Maria Fumaça até Mongaguá.
A igrejinha, ainda localizada na avenida São Paulo -- de Mongaguá --, têm uma arquitetura aconchegante aos visitantes. Uma torre com sino de bronze embeleza a simplicidade da construção gravada em minha mente como poesia de seus janelões. Um pequeno jardim frontal, seus bancos de madeira envernizada, a imagem de Nossa Senhora e o carisma do saudoso sacerdote polonês Teófilo Lubesky completavam esse ícone religioso. Uma montanha visualizada ao fundo, após a rodovia Padre Manoel da Nóbrega, ligava o litoral sul até a cidade de Itanhaém. Aos meus olhos brilhavam a emoção pela natureza verdejante iluminada pelo brilho do sol. Bananeiras e coqueiros, palmeiras e a mata atlântica, contrastavam com a imensa pedreira. Diariamente as dinamites ecoavam forte para reduzir os blocos gigantes em pequenas pedras. Um sonoro apito avisava os moradores e empregados sobre o momento da explosão. Normalmente acontecia no final da tarde.
O caminho que eu seguia da praia, dos trilhos do trem, rodovia e a rua da pedreira era formada por casas de madeiras e de alvenaria. A pavimentação de terra batida recebia os moradores e turistas sorocabanos, como ainda hoje acontece com o Adilson Ribeiro (Chinho), um dos alunos da minha turma no Curso Ferroviário, em 1964. Agora a pista é pavimentada. Mas o Adilson continua ainda na sua casa de veraneio a receber os seus convidados para o jogo de truco.
Viro as páginas do diário e encontro anotações da construção da Igreja do Divino Espírito Santo. Foi construída no Jardim Saira. Abro um parêntese para contar que a palavra Saira é formada pelas iniciais de Sociedade Anônima Indústrias Reunidas de Amido. Uma ação histórica, fruto da fé de algumas pessoas que, desde 1989, acreditaram em plantar uma semente de amor na comunidade. Convivi com essa empolgada comissão de construção até a abertura da porta, usando a chave inaugural que me foi entregue pelo arcebispo. Um longo roteiro de 32 anos até 2021 faz do filme do Divino a fonte milagrosa que gerou o templo na praça dos Sorocabanos. Cada andaime, ferros, tijolos, concreto, pilares sendo levantados eram motivos de alegria e comemoração da comunidade. Mais de 20 horas de gravação em DVD. Imagens captadas desde o inicio da pedra fundamental no terreno até o final das obras encontram-se no canal do Youtube “Projeto Memória do Jardim Saira”. Diariamente pegava a minha câmera e passava na construção para registrar cada etapa. O meu diário ganhou páginas de anotações e um livro.
E quem escreveu também um livro com base em um diário e sua imaginação foi o Silvio Klinguelfus Junior, economista e advogado: “Contos e Reflexões de uma Quarentena”. Casado com a Maria Elizabete e pai da Ana Paula, o Silvio, com 52 anos de idade, completou a sua família com o Kiko, um cachorrinho. Sua vida profissional de 40 anos de trabalho em Tabelionato de Notas o capacitou a escrever e transmitir as passagens de sua vida. Destaco o seu “Diário da Covid 19” relatando o dia a dia dos sintomas em sua histórica e marcante contaminação na pandemia. Tudo começou nos relatos do diário em 7 de janeiro de 2021. Uma quinta-feira de sol. Silvio acordou feliz para ir ao cartório onde trabalha. Os seus olhos, diferentes dos outros dias, estavam ardentes e lacrimejantes. Sempre passamos por isso, pensou. No dia seguinte, (8) uma sexta-feira, o seu diário recebeu a anotação: “Nada importante com os sintomas dos olhos”. Já no sábado, após o almoço, tudo mudou. Ele sentiu o corpo arrepiado, transpirando e sinais de febre. Um antigripal não resolveu.
No dia 10 de janeiro, aquele domingo gostoso para ficar mais na cama foi interrompido com o corpo ensopado de suor. Havia sinais de que nem tudo ia bem. A decisão do Silvio foi programar para o dia seguinte um teste da Covid. Nos exames do cotonete da segunda-feira (11), o teste da Covid acusou positivo. No seu diário, Silvio anotou: consulta médica e início de tratamento. Seguindo em frente com otimismo, apesar das preocupações naturais de quem recebe o diagnóstico positivo, ele ficou atento às alterações em seu corpo. Reações como ausência de paladar e transpiração excessiva, seguiram nos próximos dias a perturbar a semana que viria pela frente. Nove dias e a Covid ganhava espaço no diário do Silvio. As reações tomavam conta. Ansiedade, tédio, remédios, diarréias, náuseas, uma loucura na vida para qualquer ser humano, causada pelo coranavírus. Dia 19 de janeiro, uma data inesquecível ao Silvio em seu diário. As linhas escritas tinham um desabafo do “fundo da alma”. “Acordei com sono, noite mal dormida, enjoo”. As palavras do Silvio grifadas com gratidão anunciavam uma mensagem aos amigos que oraram e àqueles que enviaram boas energias com o entusiasmo da superação e da vitória sobre a Covid.
As 200 páginas do livro contém a sabedoria de Silvio Klinguelfus transmitida em 71 capítulos e reflexões. Ademir Marques Penteado que prefaciou a obra definiu bem o autor. Um ser sensível e humano que “passou pelo vale da morte”, pela Covid, e que toca os corações com um testemunho de fé no dom da vida proporcionada pelo Criador. E como afirmou o Silvio: “O tempo passa rápido, não o desperdice inutilmente”. Ótima leitura, acrescento!
Vanderlei Testa é jornalista e publicitário. Escreve às terças-feiras no jornal Cruzeiro do Sul. Contato: [email protected]