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Filmes da Netflix: ‘Vosso reino’ (parte 2 de 3)

Artigo escrito por Nildo Benedetti

17 de Setembro de 2021 às 00:01
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O pastor Emilio Vázquez (Diego Peretti) é um líder religioso prestigiado, porém corrupto e depravado.
O pastor Emilio Vázquez (Diego Peretti) é um líder religioso prestigiado, porém corrupto e depravado. (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Durante a Idade Média, a religião cuidava da Moral, que compreende regras, convenções, costumes, tabus que vigoram em cada grupo social. É a Moral que orienta os indivíduo em suas ações e julgamentos sobre o que é certo ou errado, bom ou mau, bem e mal etc. A Igreja também se ocupava da Ética, o ramo da Filosofia que estuda o comportamento humano para explicar as regras morais; é uma reflexão sobre a moral. A Igreja supervisionava a Ciência, porque supostamente detinha o conhecimento, dado por Deus, que lhe permitia estabelecer a distinção entre falso e verdadeiro. E a Igreja definia os padrões da Arte, bem como os da Estética, que é o ramo da Filosofia que se ocupa dos fundamentos da Arte.

Com o advento da Modernidade, a partir da segunda metade do século 18, ocorre o predomínio da razão sobre a fé. O fato de que nenhuma religião poder ser desmentida e muito menos comprovada com rigor científico, levou a civilização ocidental a consolidar a liberdade religiosa como uma garantia individual. Mas a Ética, Estética e Ciência se tornaram independentes da religião. O comportamento moral e ético dos indivíduos passou a ser administrado pela Justiça, a Arte passou para museus e galerias, a Ciência passou para universidades as academias. Quando a ministra Damares afirma que os evangélicos cometeram o erro de deixar que cientistas tomassem conta da Ciência está, na verdade, querendo voltar à pré-modernidade. Ou seja, quer reconduzir a ciência -- que apenas admite como verdadeiro o que pode ser comprovado sob critérios bem determinados -- para o campo das crenças pessoais, especificamente as evangélicas (como, por exemplo, a negação da teoria evolucionista de Charles Darwin).

O ser humano tem características que o distingue de outros seres. Ele necessita de pertencimento a grupos, de valores compartilhados, de identidade. Ele é também o único ser consciente da mortalidade e, como não quer morrer definitivamente, concebeu o Além que, para o religioso é fruto de revelação divina e, para o descrente, uma invenção humana. São essas necessidades exclusivas do ser humano que as religiões suprem. Por isso, a religião ainda é, e continuará sendo, um poderoso instrumento de poder e também de crítica ao poder. Estas duas posturas podem conviver no âmbito religioso e os limites dessa atuação são definidos pela lei em um Estado democrático. A Constituição Federal de 1988 definiu o Brasil como um Estado laico, ou seja, prevalece a separação entre a Igreja e o Estado, de forma que não haja envolvimento entre os assuntos de um no outro e muito menos sujeição de um ao outro. Concedeu a qualquer indivíduo o direito de professar sua religião sem interferência estatal, podendo ministrar cultos, construir templos, orar, carregar símbolos religiosos etc.

“Vosso reino” mostra a banalização e manipulação da fé por líderes religiosos que, usando o nome de Cristo à torta e à direita e atribuindo a si próprios autoridades de guias espirituais, levam fiéis a votarem em um candidato que, com muita frequência, prejudica os interesses do próprio fiel.

Conclui na próxima semana.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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