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O choro da cebola espanhola e a emoção da família Félix Martin

Artigo escrito por Vanderlei Testa

14 de Setembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: ARTE: VT)

Nasci na rua Santa Maria, no bairro dos espanhóis e de suas cebolas nas calçadas. A década de 50 transformava o espetáculo da “cebolândia” da Vila Hortência -- Além Ponte e suas vilas -- num centro de lares de espanhóis. Na minha infância, chorei descascando cebolas para a minha mãe fazer almoço. As conversas dos vizinhos nas noites foram marcantes. As cadeiras colocadas nas frentes das casas e a prosa dos meus pais italianos e amigos espanhóis iam longe.

Uma das minhas vizinhas, a Marli Martin, era uma das crianças da geração dos espanhóis que imigraram ao Brasil. Ela morava na rua Tereza Lopes, 205, com seus pais e avós na mesma vizinhança, a duas quadras de onde eu morava. Havia muitas crianças da mesma idade em nossa redondeza. A Marli é uma das leitoras dos meus artigos. Neste começo de setembro a comunicação digital aproximou a nossa amizade de décadas. A rede social possibilitou um diálogo com lembranças incríveis de seus avós e sua família da Espanha. A sua mãe Maria, de 97 anos, o marido Selmo e o filho Lucas completaram a história.

A vovó Crescência Gutierrez e o vovô Félix Martin Gomes são, há 110 anos, o alicerce humano dessa família espanhola que contribuiu para Sorocaba evoluir. Marli começa relatando que o seu pai, Faustino, recebeu esse nome em homenagem aos seus antepassados. O nome Faustino tem ligação com a Faustina, a bisavó. No encontro que relatarei, surgiu um novo fato citado dos parentes residentes atualmente na Espanha. Faustino foi registrado como Euzébio Martin, mas sempre chamado diferente, resultando em dois nomes na sua vida.

A busca da árvore genealógica dos imigrantes espanhóis levou a Marli, em 2010, a grandes descobertas. O seu desejo de conhecer mesmo por fotos, os avós, primos e tios na Espanha e no Brasil trouxe surpresas agradáveis. No início foi difícil achar o caminho de sua ascendência. No entanto, a dificuldade foi substituída pelo pensamento positivo. “Ainda vou descobrir meus primos”. E, um dia, inesperadamente, surgiu uma pista que revelou a existência do irmão caçula de seu pai, Cláudio Martin, já falecido, que se correspondia com a família em Espinoso Del Rey, Espanha. O resultado é o surgimento dos primos Jair e Ivone morando no Brasil, que vieram a Sorocaba para organizar o encontro dos descendentes da família Martin.

Voltando no tempo, às águas do oceano e aos navios a vapor para transportar imigrantes, a primeira luz inspiradora surgiu na revelação do Vapor Itália, que chegou ao Brasil em 13 de setembro de 1911. Ontem, 13 de setembro de 2021, a família Martin comemorou 110 anos desse fato histórico. Nesse navio vieram 373 imigrantes. Um deles era Félix Martin Gomes, com sua esposa, Crescência Gutierrez Juares. Duas filhas menores acompanhavam os pais, a Felisa e a Felisberta. Na documentação do Museu do imigrante de São Paulo consta que a família foi encaminhada para Pirajuí (SP).

A determinação e a garra de trabalho dos espanhóis em Pirajuí proporcionou a subsistência da família. Adaptados à nova realidade brasileira do início do século em agricultura, comércio e industrialização, o casal Félix e Crescência decidiu aumentar a sua prole com os filhos Julian, Amância e Euzébio. Em 1926, quinze anos depois da chegada a Pirajuí, veio à decisão de mudança para Sorocaba. Uma reviravolta que deu certo pela expansão da cidade e presença maciça dos espanhóis no comércio e negócios. Mais dois filhos nasceriam em Sorocaba, a Vitória e o Cláudio Martin. Fruto da sabedoria do Félix e filhos, talhados à negociação, adquiriram terras, construíram suas casas no bairro Além Ponte, plantaram cebolas, laranjas, hortaliças. Também criaram gado de leite.

Retornando à história nos tempos atuais, voltemos ao dia 2 de julho de 2017. Uma data para nunca ser esquecida. É como um dia de nascimento de filho. E realmente nasceu no dia 2 de julho uma visita de um primo de São Paulo para marcar um reencontro familiar Brasil-Espanha. A proposta do primo Jair criava pela primeira vez uma festiva presença com familiares da Espanha de Espinoso Del Rey. Estava certa a presença dos primos Angel, Sagrario, Alberto, Pilli, Antônio e Pepe. A casa da Ivani seria a anfitriã em Sorocaba. Uma mesa repleta de gastronomia brasileira e espanhola, muita conversa, lágrimas e sorrisos uniam agora os primos Martin. Os descendentes de Joaquim Cirilo Gomes Poderoso e Félix Martin Gomes finalmente brindavam juntos.

Em fevereiro de 2018 um novo encontro Brasil-Espanha celebrado com almoço típico na casa dos primos Jair e Ivone festejava com a prima Pili da família da Espanha, a unidade simbolizada pelas bandeiras dos dois países irmãos.

Um amor ao Brasil e à Espanha, que concedeu cidadania espanhola a Marli e seu filho Lucas. E oficializou o casamento de Marli e Selmo no cartório espanhol, tornando-os também casal nesse país irmão do Brasil.

Espinoso del Rey é um município da Espanha, na província de Toledo. Comunidade de Castilla-La Manch. Tem pequena área, 48 km², com população de 637 habitantes. A prefeita -- chamada de alcaldesa -- Blanca Martín administra a comunidade de Espinoso Del Rey. Nas fotos do artigo, o primo Angel -- España -- que pelo seu interesse encontrar os familiares no Brasil iniciou a pesquisa em Espinoso Dey Rey. Ele descobriu o primo Antonio, filho do irmão do avô da Marli, Felix Martin-- Pablo Martin, primo irmão de seu pai. Primos de São Paulo, Jair e Ivone, que conheceram o primo Angel -- da España em Sorocaba no dia 02/07/2017. Durante o encontro, Marli fez a apresentação em Português e o Jair fez a apresentação em Espanhol.

Na imagem em destaque superior o casal Crescência e Félix, que há 110 anos iniciou todas as gerações dos Martin, agora em festas no Brasil e na Espanha, registrada para sempre nesta edição do jornal Cruzeiro do Sul.

Vanderlei Testa é jornalista e publicitário. Escreve às terças-feiras no jornal Cruzeiro do Sul. Contato: e-mail [email protected]