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O Sete e o Quinto dos Infernos

Artigo escrito por Edgard Steffen

11 de Setembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

Para o Quinto dos Infernos irão os iracundos, os soberbos e os insolentes
(Dante, na Divina Comédia)

Impossível esquecer a data. A participação obrigatória nos desfiles, o hasteamento da bandeira na agência dos correios e na casa onde morávamos, impediriam o esquecimento. Mais que isso, o Sete de Setembro era aniversário de meu pai. Todos os filhos (militares, professores, alunos), após o desfile, vinham para o almoço onde não faltavam cabrito e outros assados. Os casados traziam a esposa e os filhos.

História do Brasil, no curso primário, era assunto chato. A imaturidade impedia-me entender a situação condicionadora dos acontecimentos. Estudar História mera decoração de nomes e datas. Cursei o primário e o secundário sob o Estado Novo. O retrato de Getúlio Vargas onipresente nas escolas, repartições e edifícios públicos. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) entupira as bibliotecas das escolas com biografias do ditador e atlas onde as riquezas do Brasil eram enfatizadas: ouro, florestas, água doce, território, população e recursos naturais a maior comparados a outros países. Os sambas-exaltação -- Aquarela do Brasil, seu maior exemplo -- viviam dias de glória. Dava até para esquecer o analfabetismo e a pobreza dispersos pelo imenso território.

Na cola da propaganda oficial, os livros escolares destacavam mais heróis e suas frases que o contexto político-social vivido por eles. O divisor de águas, levou-me a gostar de História, foi a leitura de “As Maluquices do Imperador”, livro do tatuiense Paulo Setúbal (1893 - 1937). Narrativa plena de humor cáustico conta histórias que não apareciam na sala de aulas. Parênteses. Você poderá lê-lo na internet (dominiopublico.gov.br).

Na vinda da família imperial para o Brasil, dona Maria I -- Rainha Louca, a que mandara enforcar Tiradentes -- gritou a plenos pulmões a viagem inteira. A mal humorada Carlota Joaquina só se referia ao Brasil como Quinto dos Infernos. O personagem mais rico em causos e fatos, o irrequieto Pedrinho viria a ser nosso primeiro imperador.

Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim Gonzaga Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon -- “rapazinho” ou “brasileiro” pejorativa alcunha usada nas Cortes de Lisboa -- vestia roupas de algodão, chapéu de palha, nadava nu, bolinava escravas e brigava a socos como qualquer criança plebeia. Não o reputem bronco. Como poeta, medíocre. Falava várias línguas, sabia tocar sete instrumentos, esculpia bem. Era de boa aparência e bom amigo. Imprudente, caiu do cavalo 36 vezes.

Montava uma besta baia quando, arrancadas as insígnias portuguesas de sua roupa, gritou: “Por meu sangue, por minha honra e por Deus farei, do Brasil um País livre. Brasileiros, de hoje em diante nosso lema será: Independência ou Morte!”

Como explicar o prosaico muar, se a pintura oficial da Independência mostra-o cavalgando imponente cavalo-branco? Pedro Américo teria copiado parte do quadro “Napoleão na Batalha de Friedland”*. A comitiva fora alcançada às margens do Ipiranga porque D. Pedro, acometido de forte diarreia, parou para fazer o número dois. Nem a prosaica alimária nem a posição do príncipe caberiam num quadro de exaltação ao ato libertador. A obra de Pedro Américo está sendo restaurada, na preparação do Bicentenário da Independência (2022).

Neste 2021, por causa da pandemia nem desfile houve. Em compensação, tivemos duas grandes manifestações políticas oponentes. Escapassem ao controle, poderiam transformar São Paulo e/ou o Brasil num inferno sem precedentes. Felizmente, os manifestantes tiveram juízo. Democracia verdadeira pressupõe ordem sem violência. Confronto de ideias não significa batalha campal.

Iracundos, insolentes e soberbos, distribuídos nos três poderes podem transformar o País num inferno dantesco. Não o farão se meditarem sobre as palavras de nosso 1º Imperador no fim de sua vida: “Orgulho-me de ser verdadeiro, humano e generoso e de ser capaz de esquecer as ofensas que me são feitas.”

(*) Quadro de Ernest Meissonier (acervo do Metropolitan, NY),

Fonte de consulta: História do Brasil 1997 2ª edição Empresa Folha da Manhã e Zero Hora/RBS Jornal

Edgard Steffen ([email protected]) é médico, escritor e membro da Academia Sorocabana de Letras (ASL).