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Filmes da Netflix: ‘Vosso Reino’ (parte 1 de 3)

Artigo escrito por Nildo Benedetti

10 de Setembro de 2021 às 00:01
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Rubén Osorio (Joaquin Furriel) é o imoral representante, na Argentina, do extremista Steve Bannon.
Rubén Osorio (Joaquin Furriel) é o imoral representante, na Argentina, do extremista Steve Bannon. (Crédito: DIVULGAÇÃO)

“Vosso Reino” (“El reino” em espanhol) é uma série em oito episódios da Netflix dirigida pelo argentino Marcelo Piñeyro, de quem já apresentamos na Fundec o filme “O Que Você Faria?”.

O filme se passa na Argentina, mas o leitor não terá dificuldade de adaptar vários dos acontecimentos narrados ao Brasil de hoje. Como com frequência ocorre nas séries de televisão, a trama é um tanto espichada, com muitos personagens que parecem esconder segredos que pouco agregam às teses do filme. Mas, ainda assim, mostra, de modo contundente, a mistura de justiça com ideologia, corrupção financeira e moral, intervenção política no país das ideias da ultradireita norte-americana, representados por Trump e o nazifascista Steve Bannon. E, sobretudo, disseca a mistura indecente de política e religião.

O filme não é contra todas as agremiações religiosas e muito menos contra a religião, porque mesmo na Igreja da Luz existem membros realmente praticantes dos ensinamentos cristãos e até mesmo um adolescente com poderes paranormais.

O filme começa durante a cerimônia de instalação de uma coligação partidária. Uma chapa para a eleição presidencial argentina é encabeçada por um líder neoliberal, Armando Badajoz, que tem por vice o pastor Emilio Vázquez, líder da mais poderosa igreja evangélica da Argentina, intitulada Igreja da Luz. Badajoz é esfaqueado pelas costas e morre. Esse assassinato desencadeia uma série de acontecimentos: a necessidade de escolha de outro candidato, a busca pelo assassino e eventuais mandantes, os obstáculos à investigação enfrentados pela procuradora encarregada do caso, a descoberta de pedofilia em grande escala na esfera religiosa e muitos outros.

Meu objetivo aqui não é o de criticar qualquer religião ou seita religiosa, mas o de dar uma interpretação sobre o que o filme comunica. E para dar alguma consistência a essa interpretação, serão inevitáveis citações de alguns aspectos gerais sobre a relação entre política e religião. Para tanto, lançarei mão de autores acadêmicos e noticiários de meios de comunicação, sem emitir qualquer opinião pessoal sobre um tema tão sensível como o da religião. Além disso, para facilitar a comunicação com o leitor, usarei o termo genérico “Evangélico” para caracterizar vertentes protestantes como Pentecostal, Carismática etc.

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A estreita relação entre religião e política é milenar e, de modo geral, uma dá legitimidade à outra. De início, o Cristianismo introduziu uma crítica radical à vida terrena, mas foi aos poucos sendo assimilado pela política e se tornou um dos grandes poderes deste mundo. E, como passagens bíblicas podem também ser interpretadas como alegóricas que, muitas vezes, levam a conclusões surpreendentes e convenientes, a aliança entre política e religião acaba fundamentando, em nome de Deus e de Cristo, os episódios sangrentos que ocorreram durante toda a Idade Média, como a Inquisição, as Cruzadas, as perseguições e execuções de hereges, a luta permanente contra os infiéis muçulmanos que, por sua vez responderam com uma guerra santa igualmente feroz que perdura até hoje.

Continua na próxima semana.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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