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Conflitos

Crise institucional e política: mediação é um caminho

Artigo escrito por Rubens Decoussau Tilkian, advogado e especialista em mediação de conflitos

08 de Setembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Advogado Rubens Decoussau Tilkian
Advogado Rubens Decoussau Tilkian (Crédito: Divulgação)

Rubens Decoussau Tilkian

Em meio à escalada das tensões no País, a mediação profissional poderia frear os desentendimentos entre os Três Poderes e restabelecer a ordem. Com a entrada em vigor da Lei de Mediação (13.140/2015), esta prática nasceu formalmente no ordenamento jurídico brasileiro, embora seus princípios e benefícios já existissem desde a época do filósofo chinês Confúcio, falecido aos 479 a.C., como um dos mecanismos mais eficientes para solução alternativa de disputas, também conhecida fora do Brasil como alternative dispute resolution (ADR).

No capítulo das normas fundamentais do Código de Processo Civil, está previsto ser um dever do Estado -- e não uma faculdade -- estimular a solução de controvérsias por meio da mediação (art. 3º, 3º, do CPC), tanto na relação entre particulares, como no Poder Público. O tema é de tamanha importância que, recentemente, o Brasil aderiu à Convenção de Cingapura, acompanhando países como os Estados Unidos, China e membros da União Europeia, visando reconhecer a validade de acordos firmados por meio da mediação nas transações comerciais entre nações cujos modelos sociais, jurídicos e econômicos são distintos. Tudo para se preservar um ambiente pacífico e harmonioso.

Parafraseando o conceito enquadrado no art. 1º, º único, da Lei de Mediação, esta é atividade técnica exercida por um mediador imparcial, sem poder decisório, escolhido ou aceito pelas partes, com o propósito de ajudá-las a encontrar soluções consensuais nos conflitos. Em suma, trata e isola os aspectos relacionais das partes, abrindo caminho para o foco absoluto na causa do problema. No contexto nacional, impõem-se sua aplicabilidade como medida de utilidade pública e social, pois é premente que o País liberte-se de desinteligências egoicas, ideológicas e exageradas, protagonizadas por autoridades dos poderes independentes. Deste cabo de guerra não logrará vencedor; perderá o povo e cairão em descrédito as instituições.

Não me recordo de ter vivenciado, na prática ou nos livros, crise político-institucional de tamanha envergadura. Soma-se a isso uma tremenda inabilidade -- e porque na casa de ferreiro o espeto é sempre de pau -- por parte de atores envolvidos no conflito, justamente por não promoverem o “cessar fogo” ou desestimularem animosidades, numa interminável e ingloriosa queda de braços. Fosse o contexto político um laboratório para formação de mediadores de conflitos, todos sairiam como livres-docentes. Digo isso porque esse “espetáculo de toma lá, dá cá” a que assistimos entre Executivo, Judiciário e Legislativo padece de todos os pressupostos para a construção de um ambiente favorável à comunicação e à harmonização dos poderes, princípio estampado no artigo 2º da Constituição Federal, que todos os agentes estatais envolvidos na balbúrdia juraram respeitar.

O perigoso cenário, que induz lamentável ruptura institucional, carece dos mais comezinhos princípios e técnicas utilizadas na neutralização de conflitos, tornando impossível o reestabelecimento da indispensável ordem. Estivéssemos na época do Brasil Imperial, sob o manto da Constituição de 1824 (art. 98), por certo já estaria em cena o chamado quarto poder (moderador), exercido pelo Imperador, para garantir a independência e a harmonia dos demais. O País não pode ficar à mercê de conflitos ou caprichos pessoais e está exausto dessa “política”. O poder emana do povo, cuja vontade impera na verdadeira democracia. As autoridades, eleitas pelo escrutínio ou por indicação, são transitórias.

Diante de tanta desinteligência, caberia ao mediador (ou junta de mediadores) auxiliar as autoridades a perceberem que suas posições pessoais não podem estar acima do interesse da sociedade e do País. Além disso, ajudá-las na construção do diálogo, com escuta atenta e legítima, pois o que vejo são apenas tristes exemplos de escuta “defensiva” -- aquela em que a parte ouve e, ao mesmo tempo, julga e rotula o outro com suas próprias crenças e valores pessoais; a “seletiva”, quando escuta até onde se interessa; ou, até mesmo, a “falsa”, quando simplesmente finge escutar. Que diálogo construtivo pode emergir com tamanha deficiência na comunicação?

Ora, se até hoje os Três Poderes não foram capazes de resolver internamente seus destemperos, é hora de apelarem a terceiros. A mediação permitiria destacar tecnicamente os pontos de tensão nas relações, imprimir a escuta atenta e sem prejulgamentos, neutralizar as rusgas pessoais, legitimar as pretensões e criar tantas quantas opções fossem possíveis para reestabelecer a paz. E, ao final, quem sabe, formatar um “pacto” para garantir a harmonia e independência dos poderes.

Rubens Decoussau Tilkian, advogado e especialista em mediação de conflitos há 23 anos, é pós graduado pelo Insper, sócio-fundador do Instituto Vertus de Mediação e autor do livro “Comentários à Lei de Mediação”