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Inteligência artificial e geopolítica

Artigo escrito por Celso Ming

05 de Setembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

 

A revolução prometida com uso intensivo de inteligência artificial (IA) parece mais discreta do que as mudanças esperadas pelo 5G, a quinta geração de conexão móvel, cujo leilão está programado para ocorrer no Brasil em outubro. Mas, por trás dela, desenvolvem-se os movimentos nem sempre sutis das grandes potências.

A IA é o sistema que pode dar suporte com conexão ultraveloz a carros autônomos e às já chamadas cidades inteligentes. Pelo potencial gigantesco que pode vir a ter sobre a atividade humana, as tecnologias envolvidas na obtenção da IA também são alvo de corrida geopolítica, como já acontece com as conexões 5G, em que a competição entre China e Estados Unidos é mais explícita.

Ao contrário do que o gênero de ficção científica nos conta, inteligência artificial não tem a ver com robôs antropomorfizados que dominarão a Terra. Ela é fruto de engenhosidade mais simples. Trata da utilização de algoritmos capazes de simular o raciocínio e o comportamento humano.

A IA já é encontrada em bugigangas e serviços. Serão aprimorados com a ajuda de sistemas cada vez mais poderosos. Exemplo disso são os avanços na medicina que, nas cirurgias mais delicadas, começam por eliminar tremores naturais da mão humana por meio da adoção de um braço robotizado. Ou então estão nas plataformas utilizadas nos diagnósticos de alta precisão que podem atuar na prevenção de doenças.

O impacto sobre as mais diversas áreas é difícil de mensurar, mas tende a ser enorme. Empresas passarão a oferecer produtos mais ao “gosto do cliente” e governos poderão reduzir a burocracia e, assim, aumentar a eficiência e a produtividade nos serviços públicos.

Estudo da consultoria PwC, de 2017, estima que, até 2030, cerca de US$ 15,7 trilhões poderão ser adicionados ao PIB mundial apenas por meio do uso intensivo de IA. “Boa parte desse incremento no PIB do mundo deverá corresponder a novas formas de consumo, que ocorrerão à medida que aumentar a oferta de produtos e serviços customizados”, observa Bruno Porto, sócio da PwC. “Isso deverá potencializar vendas e desejos de consumo.”

Mas essas tecnologias não acordam de um sono profundo e de repente se tornam inteligentes. Para que tenham eficácia, precisam contar com grande fluxo de dados (big data). São essas informações que alimentam os algoritmos, cujo objetivo será a memorização de hábitos, a melhora da comunicação e a previsão de sentimentos. Para isso, serviços digitais, como redes sociais e dados de e-commerce, passam a ser portas de entrada para coleta de dados. Pergunta incessante está em saber até que ponto esse bancão de informações pessoais respeitará a privacidade do cidadão e deixará de ser usado pelo Grande Irmão para controlar gente e blocos de nações.

O País mais avançado nessa tecnologia é a China que, além de ter a maior população do mundo e de contar com ritmo de crescimento econômico superior ao dos demais países, também domina a produção e o processamento de insumos essenciais para essa indústria. Por isso, é forte candidata a líder na corrida pela definição dos padrões de IA -- que se tornou objetivo explícito do governo para 2030. Como lembra Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), essa meta chinesa é ousada e faz parte da estratégia de se tornar grande exportadora da tecnologia e dominar uma espécie de “Rota da Seda Digital”.

“Na expansão dos chineses para a África, por exemplo, é uma empresa chinesa que constrói estradas de ferro, rodovias e cria a infraestrutura sobre a qual os apps de IA poderão rodar”, explica.

Os Estados Unidos, por sua vez, contam com as maiores empresas de serviços digitais (big techs) e com um ambiente favorável para inovações. O Japão é hoje o líder em robótica. Tem grande potencial para produzir os sistemas de automação mais sofisticados do mundo. A União Europeia reconhece a importância dessa revolução, mas parece paralisada pelo risco de invasão de privacidade dos seus cidadãos e da falta de uma regulação em escala global para o manuseio desse grande volume de dados e eventuais sanções contra vazamentos ou exploração indevida. Por fim, há também a Rússia, cujo presidente, Vladimir Putin, reconheceu em 2017 que o país que liderar a tecnologia será o “dono do mundo”.

Enfim, estamos diante de um tabuleiro geopolítico sobre o qual os movimentos são de difícil previsão. Mas serão decisivos. (Com Guilherme Guerra)

Celso Ming é comentarista de economia.