O modelo do Pai e a correção do pecador
Artigo escrito por Dom Julio Endi Akamine
Normalmente nosso relacionamento com o outro se baseia no relacionamento que o outro tem conosco. Se o outro é gentil, procuro ser gentil com ele; se o outro é bom, procuro corresponder com bondade. Inversamente, busco tratar bem o outro, para ser por ele tratado bem; esforço-me em ser prestativo porque nutro a esperança de que o outro também poderá me prestar um favor.
Nesse campo, Jesus propôs uma revolução: o fundamento da minha relação com o outro é a relação que Deus tem comigo. A lógica de Jesus não é a da justiça comutativa: dou para que me dês (do ut des). Ao contrário, o que Deus fez e faz para mim é o modelo e o critério para o modo como devo tratar os outros.
E isso vale também para a relação com quem me ofende. A justiça comutativa diz: quem erra paga. A justiça do Reino é de outra ordem: eu fui perdoado de uma dívida infinita por isso considero a dívida dos outros pequena e quase desprezível. Se para receber o perdão de minha dívida, o Pai me entregou o Filho, por que negar o perdão aos meus devedores?
É um paradoxo: o pecado do outro, que tanto me ofende e me incomoda, é o que me ajuda a me tornar semelhante ao Pai! O mal que sofro me dá a oportunidade de perdoar e de amar o irmão assim como o Pai me amou e me perdoou em Cristo.
Em relação a Jesus vale o mesmo princípio. O pecado só pode ser vencido quando oponho a ele o muro do perdão e, fazendo, isso me assemelho a Cristo que perdoou os que o puseram na cruz.
O perdão de Deus é o coração da vida cristã. Pelo perdão divino eu me tornei filho de Deus e irmão dos outros. Perdoando o irmão eu me torno verdadeiramente filho do Pai que me amou e me perdoou.
A correção fraterna é sinal e gesto de amor, feita de verdade e de caridade. Ela só é possível onde a pessoa é acolhida nos seus limites; é absolvida, se é culpada; é procurada, quando se perde. Além de tudo isso, a correção é um gesto que constrói e reconstrói a fraternidade. A condição indispensável para corrigir o outro é a aceitação incondicional do outro. O outro só consegue aceitar críticas sobre a sua conduta quando se sente acolhido incondicionalmente. Caso contrário, a crítica é experimentada como agressão contra a qual precisa se defender.
A correção fraterna é o antídoto para a contraposição viciosa, para a crítica maldosa e o endurecimento defensivo. Ela é necessária em uma comunidade feita de pecadores que são chamados à perfeição cristã, a qual não é uma conquista individual, feita de heroísmo egoísta. Somente podemos alcançar um ideal tão elevado se formos ajudados pela graça de Deus e pelos irmãos que nos corrigem.
O pecado sempre causa escândalo, ou seja, provoca o sentimento de revolta. Em consequência, pode arrastar outros ao mesmo pecado.
Há, porém, um escândalo que se alimenta da fofoca e da maledicência e destrói o pecador, jogando-o ainda mais no pecado. Nesse sentido, a correção fraterna é o oposto do escândalo, porque a correção cerca o irmão de cuidado e tece em volta dele uma rede de proteção contra o seu próprio pecado para atraí-lo ao bem e à conversão.
A estratégia de eliminar a maçã podre tem o objetivo de impedir a difusão do mal e preservar a contaminação dos outros, mas isso joga o pecador ainda mais fundo no seu pecado. A correção fraterna condena com firmeza o pecado e opõe a ele um muro, mas recupera o pecador e reconstrói fraternidade perdida com o pecado. Para isso é preciso justiça e verdade: o pecado é identificado enquanto tal, mas ao pecador se oferece um caminho de conversão.
Nesse sentido, é preciso não desistir do pecador e lançar mãos de todos os meios para trazê-lo ao bom caminho e à fraternidade: o diálogo pessoal, a mediação de outros, a punição com a exclusão da comunidade. Também este último e amargo remédio não visa eliminar o pecador, nem o excluir do amor. A finalidade é a de que o pecador se converta e viva.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.