Quase Soldado
Artigo escrito por Edgard Steffen
O trabalho do soldado tem o peso da montanha.
A morte do guerreiro é leve como a pluma.
(Lema samurai)
Escola, sentido! Descansar! Direita, volver! Esquerda, volver! Meia-volta, volver! Ordinário (será que está me xingando?), marche! Os comandos do tenente Nilo Lobo -- 4º RAM, Regimento de Artilharia Montada, Itu (SP) -- eram dados em voz alta, gritada. Descendente de alemães, acostumado a obedecer para depois pensar, estava meio assustado no pátio do ginásio naquele 1942. Meu pai e meus tios, concisos, comandavam as famílias sem elevar a voz.
Ordem Unida era matéria prática do Curso Pré-militar, criado após o Brasil declarar guerra ao Eixo Alemanha, Itália, Japão. Na inocência própria da idade, pensava que aquilo era treinamento para desfiles escolares. Obrigatórios no Estado Novo. Não me passavam pela cabeça os primeiros passos para um comportamento automático/reflexivo próprio de soldados e de combatentes. Em outras palavras, começara o preparo de uma nova geração para a guerra, caso ela se prolongasse.
No Ginásio de Itu, usávamos farda caqui perdurou até 1 949 com botões removíveis, ombreiras e gravata da mesma cor (preta ou grená), camisa branca e sapatos pretos. Não éramos um colégio militar, mas respeitávamos os diretores, os docentes e os funcionários.
Quando a guerra terminou, estava na quarta série do Colégio Cesário Motta (Campinas, SP). As aulas práticas comandadas por um sargento -- “durão” como aqueles consagrados pelo cinema -- incluíam marcha acelerada e rastejamento. As aulas eram no campo de futebol. Num dia chuvoso, o sargento mandou estender uma linha de arame farpado sobre o gramado; para ultrapassá-la, rastejando, emporcalhamos nossos uniformes, do tênis à camisa de manga comprida. Entramos brancos e saímos ocres.
Havia aulas teóricas. Estudamos a composição dos exércitos e as regiões militares. A hierarquia e as insígnias do Exército Brasileiro, de soldado raso a marechal. O mesmo em relação à Marinha e à Aeronáutica. Estas achei difíceis de memorizar. As graduações e hierarquia do exército, foram mais fáceis.
Entre as brincadeiras da igreja que frequentava havia uma didática para promomover atenção, compreensão e resposta rápida.
Sentados em cadeiras formando um “U” hierarquizado: marechal, general, coronel, tenente-coronel, major, capitão, tenentes (1º e 2º), sargentos (1º, 2º, 3º), cabo e soldados. Na primeira rodada o marechal dizia “Passando em revista minha tropa, dei por falta do ...”. O oficial ou graduado apontado em falta, tinha que se pôr em pé e responder “O ... não falta, quem falta é o ...”. Os que errassem ou demorassem a responder eram excluídos e a fila andava. Jogadores iam sendo eliminados até que restassem dois finalistas. Um chegava a marechal e ganhava a brincadeira.
Volto ao curso pré-militar. Outra parte das aulas destinava-se ao conhecimento dos hinos pátrios. Hoje, entendo que estávamos sendo submetidos a verdadeiro processo de condicionamento. Cantamos e repetimos à exaustão o Hino do Soldado*: “Amo tanto, estremeço esta terra / Amo tanto o meu vasto País / Que se eu um dia partir para a guerra / Eu irei bem contente e feliz!”
Nem que fôssemos samurais iríamos contentes e felizes para o campo de batalha!
Um dos hinos mais cantados era a belíssima “Canção do Expedicionário”. A música era fácil de ser memorizada e os versos de Guilherme de Almeida traziam referências ao Brasil do norte, nordeste, centro e sul. Falava de engenhos, cafezais, pampas, verdes mares bravios, da choupana de caboclo e do canto do sabiá.
Se houve um lado bom na II Grande Guerra, a divulgação dos ideais democráticos. O Estado Novo getulista era a forma caudilhesca do nazismo moreno. Oficiais brasileiros, durante a campanha na Itália integrados ao V Exército (comandante general Mark Clark), conviveram com os americanos, oriundos de uma verdadeira democracia. De volta da guerra, os oficiais brasileiros da FEB não poderiam continuar concordando com um regime ditatorial, com semelhanças àqueles que haviam combatido. Começou aí a queda do Getúlio.
Neste Dia do Soldado 2021, cumprimento os guardadores da Pátria e da Democracia.
(*) Não consegui identificar o(s) autor(es).
Edgard Steffen ([email protected]) é médico, escritor e membro da Academia Sorocabana de Letras (ASL).