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Violência psicológica contra as mulheres agora é crime

Artigo escrito por Marina Elaine Pereira

24 de Agosto de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Marina Elaine Pereira.
Marina Elaine Pereira. (Crédito: Divulgação)

Recentemente, foi promulgada a Lei Federal 14.188/2021, que definiu o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e no Código Penal, em todo o território nacional. Modifica a modalidade da pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e criando um novo o tipo penal: violência psicológica contra a mulher.

Todo mundo deve conhecer alguma mulher que já foi vítima de violência, seja ela física ou psicológica. Diferença, agora, é que esse tipo de violência psicológica é definida pela lei -- com a introdução do artigo 147 - B no Código Penal -- como: “Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: Pena: reclusão, de seis meses a dois anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.‘

De fato consiste em um grande avanço em termos legislativos. Porém a pergunta que não quer calar: como será feita essa prova?

O limiar da subjetividade, do que será considerado de fato como violência psicológica e, o pior e mais triste: como fazer essa mulher perceber que é vítima desse tipo de violência? Sim, porque a maioria está tão acostumada que não vê como agressão. A maioria fala que ele é “chato”, ele é “mandão”, me chama de “gorda”, ele é “trabalhador”, mas “dra., ele não me bate não”.

Como a lei irá mostrar para essas mulheres vitimadas há anos que o que elas sofrem é crime?

Na verdade, sempre foi! Mas como vivemos em um País em que as leis devem ser escritas, explicadas e desenhadas para serem cumpridas e ainda assim, não o são, já que a moral e os costumes estão debaixo do tapete, como resgatar nessas mulheres a dignidade?

E o mais interessante é que esse tipo de violência acomete todas as mulheres sem distinção de classe social.

Existem mulheres que se “escondem” para não permitir que seu brilho ofusque o dos seus maridos.

A figura patriarcal que prevaleceu e ainda prevalece na nossa sociedade, que por mais que a mulher tenha sucesso financeiro, ainda assim ela se submete a tarefas do dia a dia, por ser mulher. Isso não deixa de ser uma violência psicológica.

Não se ensina os meninos desde criança a divisão de tarefas: ao contrário, se ensina que as mulheres devem ser responsáveis pela arrumação da casa, por exemplo. E já que vivemos em um País que precisa de tudo por escrito, gostaria de saber onde está escrito isso. Qual o fundamento legal e/ou moral para isso?

Muito se fala também, em políticas públicas para mulheres: isso é um bom discurso eleitoral, inclusive. Mas, e na prática? Como são, de fato, essas políticas públicas?

Quando uma mulher sofre uma violência desse tipo, a grande maioria, quando se dá conta de que é agredida, ainda permanece com o agressor por questões puramente econômicas.

Ninguém apanha porque gosta, salvo raras exceções e longe de mim julgar isso. Mas, como amparar essas mulheres vítimas de violência? O que está sendo feito em termos de capacitação profissional, psicológica e material para elas?

Espera-se que esse programa de apoio Sinal Vermelho que a lei menciona, contemple tudo isso, desde o amparo psicológico, resgatando nessas mulheres os valores morais, pessoais, a dignidade, a vontade de se libertar, a crença de que sim, elas podem estar onde elas quiserem, e, acima de tudo, capacitar, dar um direcionamento, profissionalizar, para que tendo independência financeira elas possam deixar para trás essa prisão a que foram submetidas.

E para aquelas que possuem essa independência financeira que não aceitem serem ridicularizadas, ofendidas, humilhadas, somente para dizerem que possuem um casamento ou um relacionamento. Que elas possam enxergar com a criação dessa lei que por mais que elas não apanhem, elas são vítimas de violência sim e isso só prejudica a saúde mental delas.

E, também, espera-se que esse programa de apoio ofereça ajuda psicológica (para aqueles que quiserem) aos homens agressores, porque muitos não se dão conta de que o que fazem é crime, e na grande maioria, também já foram vítimas, seja do pai ou da mãe, em razão da educação a que foram submetidos por décadas e que possam valorizar o ser humano, como indivíduo, independente do gênero.

Marina Elaine Pereira é advogada pós-graduada em Direito Constitucional e Direito Tributário, especialista em Compliance, membro da Comissão Estadual de Direito Médico e Saúde da OAB/SP. Foi ouvidora geral do Município e secretária de Saúde de Sorocaba.