Agosto dourado não se refere a medalhas esportivas.
Refere-se à maratona de incentivos à amamentação.

Pergunto a velho amigo aposentado. -- “E aí, como vai?” -- “Até que vou bem em meus de dias javali”. Horóscopo chinês? pensei. Eu já conhecia as idades da prata nos cabelos, do ouro no bolso e do chumbo nos pés... mas, javali?!? -- “Pois é, na repartição, eu achava que valia muita coisa. Aposentado, não valho mais nada”, foi sua jocosa explicação.

Em julho próximo passado, vivia meus dias de “já vali”, meio esquecido das lides médicas que preencheram meus dias por mais de 50 anos e das quais estou distanciado há quase vinte. No Dia do Pediatra, em reunião virtual, fui homenageado pelo Sorocaba Novas Gerações, clube rotário formado somente por mulheres. Mães em sua maioria. Após formalidades de praxe e leitura do currículo, presentearam-me com o documento comprovatório. Referia-se ao Dia do Escritor (26/7) e ao Dia do Pediatra (27/7).

Na mesma semana, recebo da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) certificado reconhecendo-me pediatra atuante na promoção da saúde e qualidade de vida de crianças e adolescentes do Brasil. Vaidoso, vou pendurar os diplomas na parede do escritório.

Acredito que a SBP tenha conferido o mesmo título a todos os associados. Mesmo assim, a qualificação “atuante na promoção da saúde” encheu-me de brios. Como honrá-los na condição de aposentado? Resolvo abordar tema recorrente nesta coluna: aleitamento materno.

Procuro na Bíblia três histórias de amamentação envolvendo personagens significantes. Culturas ocidentais guardam marcas da origem hebraico-cristã. O patriarca Abraão foi o primeiro a chegar ao conceito monoteísta de um Ente Superior. Na velhice gerou, com Sara, a Isaque -- início do cumprimento da promessa de que seria pai de numerosa nação.

Sara amamentou seu filho até os três anos. No dia em que Isaque foi desmamado, Abraão deu um grande banquete¹. O ágape do desmame comemorou a sobrevivência do menino, em tempos de grande mortalidade infantil.

As poucas dezenas do clã Jacó -- renomeado Israel -- que buscaram alimento no Egito, cresceram e se multiplicaram de tal forma a incomodar faraós. O aleitamento materno contribuiu para isso. Lei ordenou a morte de todo bebê do sexo masculino.

Quando Moisés², com três meses, foi colocado no Nilo e achado pela filha do faraó: “Então disse sua irmã à filha de faraó: queres que eu vá chamar uma das hebreias que sirva de ama, e te crie a criança?” O estratagema deu certo, a filha de faraó contratou a própria genitora de Moisés para amamentá-lo. Moisés, criado como favorito na corte, adulto, lideraria o êxodo de seu povo à Terra Prometida. Amamentado por sua própria mãe, teve estabilidade emocional necessária à missão. O ser humano feliz tem como pressuposto a aceitação, o amor. O ato de amamentar dá ao recém-nascido a tradução dessa aceitação, desse amor.

Outro personagem bíblico, Samuel, preparou os israelitas para a grandeza dos reinos de Davi e do sucessor e filho Salomão. Ana, mãe de Samuel, implora o benefício da fertilidade e promete dedicar “todos os dias da vida” de seu primogênito ao Senhor. O “todos os dias” excluiu o período de amamentação, como sugere a conversa entre o pai Elcana e a fervorosa esposa³: “Quando for o menino desmamado, levá-lo-ei para ser apresentado ao Senhor e lá ficará para sempre. Respondeu-lhe Elcana, seu marido: Faze o que melhor te agrade; fica até que desmames (...) a mulher criou o filho ao peito até que desmamou”. Imaginem a luta interior da mãe para cumprir o prometido a Javé.

Voltemos ao dourado agosto. A SBP, além do incentivo ao aleitamento, tem visão moderna da puericultura. Mais que um curador de doenças, o pediatra deve ser um ensinador das boas práticas de vida. Esta é a visão do programa Família em pauta, pensado e apresentado por pediatras para a família. Você não precisa ser médico para acessá-lo. O endereço é www.sbp.com.br/familias-em-pauta (You Tube) e as perguntas podem ser enviadas pelo e-mail.

1- Genesis 21:7-8
2- Êxodo 2:7
3- Iº Samuel, 1: 22-2

Edgard Steffen ([email protected]) é médico, escritor e membro da Academia Sorocabana de Letras (ASL)