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Conhecimento de causa, e não mágicas

Artigo escrito por Humberto Casagrande

13 de Agosto de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Humberto Casagrande.
Humberto Casagrande. (Crédito: Divulgação)

Em um país com tantos e tão urgentes problemas a resolver, ganha destaque uma prioridade: a empregabilidade dos jovens. Não é mais possível conviver com a indiferença do governo frente à taxa recorde de desemprego de 14,7%, índice que salta para 31% quando se trata de jovens, ainda mais com a curva ascendente desses dois indicadores -- segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os óbvios impactos econômicos e sociais desse quadro devastador levam diferentes níveis do governo, principalmente nos períodos que precedem eleições, a buscar soluções mágicas que carecem de fundamento e que são adotadas de maneira açodada. Foi o que aconteceu com pontos da Medida Provisória 1.045 que está no Congresso. Em meio a outras medidas legislativas supostamente voltadas à redução do desemprego, foram enxertadas à proposta original da MP sugestões do relator da matéria, deputado Christino Áureo (PP-RJ). Entre essas “novidades” que carregam vícios de origem, o parlamentar propôs a criação dos programas Priore (Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego) e Requip (Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva).

A proposta do parlamentar é inadequada e desnecessária. Ao lerem o texto, ao menos nove entidades que somam décadas de atuação na assistência social, capacitação e inclusão de jovens no mundo do trabalho e na criação de ações voltadas ao público em vulnerabilidade social, decidiram repudiar a criação dos programas propostos no relatório. Essas entidades consideram que a sugestão do parlamentar, em vez de encaminhar soluções para reduzir o desemprego, cria formas de trabalho desprotegido e representam grande incentivo à evasão escolar.

Para as entidades, são tantos os malefícios que a criação desses programas trariam que foi difícil enumerá-los. Mas nessa longa lista de impactos negativos, o grupo destacou:

Evasão Escolar. Qualquer programa de ocupação dos jovens, ainda que em caráter emergencial, deve ter o ensino acoplado às atividades laborais. Não se pode negligenciar mais com a formação de milhões de jovens. Obter um emprego isoladamente para um jovem é a melhor maneira de incentivar o abandono dos estudos. Ao conseguir um emprego, o jovem, incentivado pela família, evade da escola para possivelmente nunca mais retornar. Estudo recente do Insper mostra que o Brasil perde R$ 283 bilhões por ano com a evasão escolar. Mais: junto da perda financeira vem a maior delas, que é a má formação do jovem.

Não atende as necessidades das empresas. Os programas sugeridos, além de não oferecerem aos jovens garantias de qualificação profissional, não asseguram às empresas a contratação de mão de obra preparada para ser absorvida de imediato. Não é porque há um subsídio que necessariamente as empresas irão contratar.

Não traz segurança jurídica às empresas. Por não estarem ancorados na legislação já existente para a contratação, os programas sugeridos pelo relatório do deputado não dão respaldo jurídico às empresas e não as protege de futuros processos trabalhistas referentes a benefícios que foram negados aos funcionários à época da contratação. Há dúvidas importantes quanto à constitucionalidade da criação dos programas Requip e Priore.

Destrói a estrutura de formação de jovens: Sob pretexto de financiar os programas com recursos do Sistema S, a proposta destrói a estrutura existente hoje que separa as escolas técnicas, as escolas do sistema S, o Programa Aprendiz e os estagiários. Existe hoje uma arquitetura de formação dos jovens que, se não funciona melhor, é por falta de incentivo, atenção e recursos.

Canibalização de vagas. Os programas, como propostos, não garantem a criação de novas oportunidades de trabalho. Pelo contrário, criam uma concorrência insustentável de trabalho desprotegido com modalidades já existentes e consolidadas -- que continuam a enfrentar inexplicável resistência dos governos.

Segregação entre os candidatos e precarização. Os critérios estabelecidos para a criação dos programas de empregos propostos pelo relatório são inadequados e aprofundam a precarização da mão de obra jovem em situação de vulnerabilidade. O jovem é negativamente qualificado e em seguida oferecido ao mundo do trabalho.

Humberto Casagrande é CEO do CIEE São Paulo.