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Filmes da Netflix: ‘No vale das sombras’ (Parte 4 de 5)

Artigo escrito por Nildo Benedetti

13 de Agosto de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Nem a tragédia da Segunda Guerra Mundial foi capaz de desestimular o homem a fazer guerras.
Nem a tragédia da Segunda Guerra Mundial foi capaz de desestimular o homem a fazer guerras. (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Peço desculpas ao leitor, mas resolvi adicionar um quinto artigo aos quatro inicialmente previstos nesta análise de “No vale das sombras” (“In the valley of Elah”, em inglês). Além dos aspectos psicossociais tratados nos últimos dois artigos, o filme possibilita uma reflexão sobre as guerras nos tempos atuais. Para isso, recorrerei a alguns autores que se ocuparam do assunto: Umberto Eco, Norberto Bobbio e outros.

Em 1909, o poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti, fascista militante, escreveu no seu manifesto do futurismo:

“Queremos glorificar a guerra -- única higiene do mundo -- o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as bela ideias e o desprezo da mulher. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de todo tipo e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária”.

De lá para cá as coisas mudaram muito. As mulheres tiveram seu papel social radicalmente modificado e hoje um defensor da guerra como forma de higienização do mundo é considerado um imbecil da mesma estatura intelectual de um defensor da Terra plana. Contudo, o espírito do fascismo implícito na citação de Marinetti, com toda a sua estupidez, foi desenterrado e está de volta, com adições de preceitos nazistas. É uma espécie de “Síndrome da idade de ouro”, própria de quem acha difícil enfrentar a vida atual e acaba fantasiando que o passado era melhor do que o presente.

Vários motivos contribuíram para uma modesta contenção de conflitos nos dias de hoje, mas todos estão relacionados ao medo dos devastadores efeitos materiais e humanos que elas acarretam. É decepcionante constatar que a diminuição de atritos nada tem a ver com a evolução moral e ética da humanidade ou à tomada de consciência do valor da vida de todos os seres humanos. Líderes, movidos por pulsões destrutivas exacerbadas, continuam a seduzir seguidores propensos à agressividade, como vimos nos dois artigos anteriores, escritos a partir do pensamento de Freud. O homem ainda é o mesmo de sempre e uma parcela da humanidade continua predisposta a resolver conflitos pela força, e não pela razão, e a considerar paz, solidariedade e compaixão universais como utopias ou mesmo fraquezas.

Tomados no seu conjunto, os motivos que citaremos a seguir contribuíram para uma discreta contenção de ações bélicas, mas não convenceram o homem a se afastar definitivamente delas:

1. As catástrofes humanitárias e materiais que foram geradas na Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918), na Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), a violência das revoluções e regimes comunistas em vários países, o ideal nazista de destruir tudo para reiniciar uma nova humanidade etc. Esses conflitos sangrentos do século 20 tiveram efeito muito menor na conscientização da estupidez das guerras do que seria razoável esperar.

2. As armas nucleares convenceram a humanidade de que um conflito atômico levaria o planeta à destruição

3. A Carta das Nações Unidas, de 1945, incluiu medidas para a manutenção da paz internacional e da segurança e passou a considerar ilícita toda e qualquer forma de guerra que não cumpra determinadas exigências jurídicas ou que não seja a título provisório de legítima defesa.

Conclui na próxima semana

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec.

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