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Prá três amigos, aquele abraço

Artigo escrito Edgard Steffen

24 de Julho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

Distância soma a gente para menos.
... é preciso desler a vida, os livros, o tempo, as ideias, as relações.
(Manoel de Barros)

Em 20 de julho de 1969, três astronautas da Apolo 11 chegaram à Lua. À distância avistavam a Terra. Linda no silêncio da paz. Enrique Ernesto Febbrano - dentista argentino, rotariano - teve a ideia de marcar a efeméride pela criação do Dia do Amigo. Talvez por considerar utópica a amizade universal, nem a ONU nem governos oficializaram a data. O Dia do Amigo pegou e passou a ser comemorado em muitos países.

Minha família de origem é grande. Tenho muitos primos e sobrinhos. Sinto-me amado por eles (as) e os (as) amo. Excluídos os afetos ligados ao parentesco, o rol de amigos decresce com assustadora rapidez. Dos que, em Indaiatuba, compartilharam infância e adolescência só me restam dois.

Começou em 1938 minha amizade com Áureo Cavaggioni. Diretor de Ensino aposentado, hoje, mora em Americana. Sequela de poliomielite (quase imperceptível na infância) prende-o a cadeira de rodas. Mas não lhe paralisa a mente. Continua ativo. Ávido leitor, filatelista, troca correspondência com gente (que nunca viu) espalhada pelo mundo. Nossos brinquedos eram mais artesanais e imaginativos que os de natureza física. Às vezes, interrompíamos a brincadeira para pequenos serviços da funerária de sua família. Entrega dos caixões no hospital, por exemplo. Indaiatuba é plana mas, a rua de acesso ao Hospital Augusto de Oliveira Camargo cruza uma valeira. Nas entregas, passado o córrego do Belchior, tínhamos que fazer força para empurrar o carrinho morro acima. Na descida, costumávamos soltar a carrocinha e correr atrás dela; a força gravitacional acelerava o movimento e a inercial nos poupava esforços no início da subida. Registre-se, a bem da verdade, éramos moleques e não sabíamos o que era inércia e mal entendíamos a força da gravidade. Tudo correu bem até o dia em que não conseguimos alcançar a carriola; fora do controle, estatelou-se no valo, arrebentando o caixão encomendado. Por sorte, vazio.

No privilégio da longevidade quis a Divina Providência poupar-me da solidão na velhice. Bastar-me-iam esposa, filhos, netos e bisnetos. Tive mais. Os 70 anos de Sorocaba permitiram-me granjear amigos. Perdi muitos -- nem os pude velar nestes tempos de Covid19 -- mas ainda me sobra montão deles.

Conhecidas ou não, há pessoas que se importam comigo. Parafraseio Manoel de Barros, falecido nonagenário; sabia poetar com pureza de menino. Por andar “muito completo de vazios” procurei “encher os vazios com minhas peraltagens” e acabei encontrando gente que me ama pelos “meus despreparos”. Simples menção ao intento de me render à idade, suscitou e-mails, telefonemas e contatos instando-me a não parar.

Neste dia especial gostaria de abraçar tanto os amigos como os leitores. Todos. Na impossibilidade, separo três para representá-los num abraço imaterial. Não foram astronautas. Eram professores. Um normalista, outro de escola profissionalizante e o terceiro de teologia. Cada um, a seu jeito, ajudou-me a fincar o pé na Terra Rasgada. Quase não os encontro, mas habitam minha memória.

Benedito Francisco Cabral, foi um de meus primeiros clientes. Comprei um carro, mas não me sobrava tempo para autoescola. Cabral, após o expediente, ajudou-me a praticar direção e trânsito. Nas mudanças do consultório, punha o caminhão de sua empresa à minha disposição.

José Alberto Deluno lecionava na Escola Industrial quando o conheci. Desenhou os móveis de meu primeiro e projetou meu último consultório. Era meu ponto de referência nos temas construção, reforma ou decoração.

Matheus Benevenuto Jr. conheci seminarista. Muito aprendi com seu convívio e sermões. Esteve comigo e os meus nas horas difíceis. Participou também das horas de júbilo. Conduziu a liturgia de ação de graças pela abertura de meu consultório.

A distância nos soma para menos, a gratidão para mais.

No abraço fraterno de um cronista menor a três ajudadores maiores, saúdo todos os amigos, companheiros, irmãos de fé, leitores neste Dia do Amigo 2021. Shalom!

Edgard Steffen ([email protected]) é médico, escritor e membro da Academia Sorocabana de Letras (ASL).