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França: legítima detentora do Champagne

Artigo escrito por Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

21 de Julho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro.
Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro. (Crédito: ARQUIVO PESSOAL)

A notícia de que o presidente da Rússia, Vladimir Vladimirovitch Putin, não iria mais reconhecer o Champagne francês em território nacional evidentemente gerou bastante polêmica. Além disso, Putin acrescentou que todos os fabricantes estrangeiros devem designar seus produtos como vinho espumante no rótulo, e somente o espumante fabricado na Rússia seria reconhecido como Champagne. A declaração fere o direito da propriedade intelectual, uma vez que Champagne é uma indicação geográfica de uma região no nordeste da França, sendo uma das primeiras indicações a serem reconhecidas no Brasil. Não somente no Brasil, mas também na Índia, África do Sul, China entre outros, tratando-se de um importante produto de exportação da União Europeia.

Na verdade, o objetivo é afrontar a França, pois Champagne é uma indicação geográfica reconhecida internacionalmente, sendo um produto de luxo. Assim como o presunto de Parma italiano é uma indicação geográfica reconhecida internacionalmente. Também no Brasil, existem alguns casos, sendo um exemplo recente o reconhecimento pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) dos vinhos tinto, rosé e espumantes produzidos na região da Campanha Gaúcha, no extremo sul do País, próximos ao Uruguai e a Argentina, possuem atualmente indicação geográfica, portanto há exclusividade sobre esses produtos.

O governo da França logo se posicionou, sendo que uma das primeiras autoridades a se pronunciar foi o ministro das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, alegando que as declarações violam as próprias normas da Organização Mundial de Comércio (OMC). É importante observar as motivações do claro posicionamento do ministro. Sua resposta se deu em uma via legítima que é a OMC, uma das mais conhecidas e relevantes organizações internacionais. Os antecedentes históricos também devem ser avaliados. Assim como várias organizações internacionais surgiram, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, havia a tentativa de se criar uma Organização Internacional do Comércio. Mas, como seria um tema mais delicado, não houve um ambiente internacional naquele período, além de os Estados Unidos da América (EUA) não fazerem parte.

Nesse cenário, em 1944, surgiu o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, em sua conhecida nomenclatura em inglês, General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), cujos objetivos principais seriam reduzir tarifas e proporcionar o livre comércio. O GATT a posteriori permitiu a interação em específicos de normas da OMC por meio das exceções enumeradas, de forma a possibilitar a desnecessidade de regras de livre comércio no Acordo de Marrakesh que originou a OMC. A OMC foi a primeira organização internacional após a Guerra Fria, um período que dificultava o multilateralismo.

No livro, “A Solução de Controvérsias na OMC”, o autor Alberto do Amaral Júnior, ressalta de forma muito didática: “A OMC é um sistema de regras que ordena o mercado mundial ao definir os comportamentos lícitos e ilícitos, além de prever mecanismos que garantam o cumprimento das suas normas”. A OMC é um sistema multilateral atípico, pois há previsão de negociações, sanções, litígios, logo há obrigatoriedade das decisões. Caso o Estado que tenha sido condenado não modifique a sua política comercial, existe a previsão de sanções.

Embora seja mais conhecida por tratar de comércio, a OMC tem um rol amplo de temáticas, como serviços, propriedade intelectual, acordos comerciais regionais, deve buscar formas de maior regulamentação para o e-commerce e maneiras de proteger o direito do consumidor em compras realizadas no exterior. Também possui previsão para solucionar litígios, sendo que o órgão de Solução de Controvérsias é o mecanismo político; e o órgão de Apelação é jurídico. Também discute os impactos da pandemia, e o diálogo entre governos sobre a transição para a economia digital.

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro é professora na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional, e doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.