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Das vaidades e dos prazeres

Artigo escrito por Edgard Steffen

17 de Julho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

Escreve-se por vaidade e por prazer
(Leandro Karnal)

Imperdível a quingentésima crônica de Leandro Karnal, publicada no Estadão e no Cruzeiro do Sul, neste julho. Dá vontade plagiá-la por inteiro. Não o faço por razão óbvia. Cronista menor (e põe menor nisso!) contento-me em içar a frase ilustradora desta que vocês estão lendo, e garimpar o verbete “quingentésimo”, numeral ordinário para situar o extraordinário texto do pensador contemporâneo.

Antecipando desculpas pela impertinência, até citações e autores citados me entusiasmaram, exceção feita ao critiqueiro que o lê em busca de mediocridades. Percebi no professor cronista a satisfação pela fidelidade dos leitores que se manifestam sobre o “intervalo entre o imediato e a realidade” enriquecedor dos jornais. Se isso é vaidade, reivindico o direito de ser vaidoso.

Publicadas minhas primeiras contribuições no Cruzeiro do Sul -- lá se vão 18 anos -- surpreenderam-me incentivos de colegas e amigos; contabilizei-os no arquivo “Amizade”. Quando ilustres ou humildes, sem vínculos afetivos, passaram a manifestar-se percebi ter encontrado um novo jeito de preencher meus dias de aposentado. E-mail do imortal acadêmico Moacyr Scliar, cumprimentando-me pela crônica “Mad Maria e os mosquitos” (publicada no Cruzeiro em março de 2012) inflou-me o ego. Cheguei a pensar fosse trote de algum gaiato. Era real.

Nascido no longínquo 1931, ser alfabetizado era ser vitorioso. Entender o que lia -- e lia de tudo o que me caísse à frente, de cartazes a livros -- fonte de prazer. Escrever, sublimação. Na adultícia, partícipe da que se convencionou denominar “silenciosa geração”, o sonho vinha sempre depois do feijão. (Da rima pobre, perdão!). Da casa para o trabalho, do trabalho para a casa onde havia mulher e filhos a sustentar. Era regra e a felicidade. O resto... bem, era o resto.

Na vida de escrevinhador, ajudaram-me a medicina e a longevidade. E as leituras. À profissão médica pela garantia do sustento familiar e pelas múltiplas oportunidades de vivenciar o ser humano frente a vida, alegrias, sofrimentos, conflitos, sucessos e fracassos. À longevidade devo a multiplicação dessas vivências e a consolidação dos valores imateriais acumulados.

Amigo, vizinho e leitor professor Nilson Rubens de Morais telefonou-me curioso por saber da minha produção. Respondo: 830 textos e três livros.

Por maior seja meu envaidecimento, estou ciente de minhas limitações tanto em quantidade como em qualidade. Estou longe dos cronistas que me encantaram. Rubem Braga, Rubem Alves, Nélson Rodrigues, Rui Castro para citar apenas os erres. Mais recentemente, Leandro Karnal.

Nunca chegarei perto de um Érico dos tempos, ventos e lírios do campo ou rabiscar humor ágil e sofisticado como o do Veríssimo filho. Nem alcançarei a capacidade descritiva de um Graciliano da sequidão da terra e vidas. Por muito me esforce, jamais conseguirei criar uma joia como “O Burro Pedrês” que o genial Guimarães Rosa incluiu na Sagarana.

Cônscio de minhas limitações, mas com vaidoso prazer estimulado pelas manifestações dos que me acompanham, sinto a aproximação do tempo de parar.

Por enquanto, até o próximo sábado.

Edgard Steffen ([email protected]) é médico, escritor e membro da Academia Sorocabana de Letras (ASL).