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A morte do jornalista em Amsterdã e suas entrelinhas

Artigo escrito por Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

13 de Julho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro.
Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro. (Crédito: ARQUIVO PESSOAL)

A morte do jornalista neerlandês suscita questionamentos sobre a liberdade de imprensa, mesmo em um Estado reconhecido internacionalmente por ser precursor da tolerância como os Países Baixos. No entanto, o questionamento é se o ataque teria sido ao jornalista ou ao conselheiro confidencial Peter R. de Vries, tendo em vista que a vítima exercia ambas funções. Como foi noticiado, desde os 29 anos o jornalista era conhecido como Peter de Vries, em 1983 resolveu adicionar R ao seu nome de batismo Rudolf. O objetivo era se diferenciar de outros Peters de Vries na época. De Vries atualmente era conselheiro confidencial no caso do julgamento do criminoso Marengo na acusação de crime organizado. Detetives alegam que as pessoas subestimam o crime organizado no país.

Há controvérsia no Reino Unido dos Países Baixos, tendo em vista que o ministro da Justiça Ferdinand Grapperhaus, o primeiro-pinistro Mark Rutte, e o rei Willem-Alexander corroboraram a teoria de que houve um ataque à liberdade de imprensa no país. De Vries foi alvejado por uma bala na noite de 6 de julho, quando fazia seu trabalho como jornalista investigativo e conselheiro confidencial.

O caso é complexo, tendo em vista a possibilidade de extradição de Said R e de Marengo R.. Este último está em uma prisão colombiana desde fevereiro de 2020, sendo que o seu pedido de extradição deve ser julgado. A Suprema Corte da Colômbia decidirá se Marengo será extraditado para os Países Baixos. Ele era um dos criminosos mais procurados pelas autoridades neerlandesas quando foi preso em Medellín, na Colômbia, em fevereiro de 2020. A prisão do criminoso per se também envolve o Federal Bureau of Investigation (FBI) e o United States Drug Enforcement Administraton (DEA). R. foi removido para uma prisão em Bogotá, onde o extraditando aguardo o seu processo de extradição.

No entanto, não há um tratado internacional de extradição entre os Países Baixos e a Colômbia, fato que dificultará uma maior celeridade processual. Além de ser julgado por crimes como homicídio, R. também é investigado por sua liderança no comércio de cocaína no país. Não obstante os Países Baixos sejam conhecidos internacionalmente por sua “legalização das drogas”, há um equivocado entendimento, pois a política se dá pelo aspecto da descriminalização unicamente da maconha e do haxixe, não havendo permissão para nenhum outro tipo de comércio de drogas. A descriminalização das drogas envolve importantes medidas sob o ponto de vista do Direito Penal, Direito Civil e Direito Administrativo, além de constantes debates acerca de necessárias mudanças.

Nesse contexto, insere-se a prisão de R., a morte do jornalista e o instituto do kroongetuige, em português a testemunha da coroa. O instituto lembra a delação premiada no Brasil, no entanto há algumas diferenças. O Ministério Público neerlandês pode conseguir que a pena da testemunha da coroa seja reduzida pela metade ou um terço dela seja realizada pela prestação de serviço comunitário, caso ela se pronuncie em um processo penal contra um outro suspeito. Entretanto, se já houver condenação pode ser feito um pedido de clemência para o ministro da Justiça e Segurança.

O caso de Vries envolve a questão se ele teria sido baleado como jornalista ou como um confidente do caso Marengo, que envolve outros investigados. Se ele foi morto como jornalista, então há indubitável ataque à liberdade de imprensa. Sem embargo, se ele foi morto como uma testemunha chave, então deveria ter havido proteção do Estado. No aspecto jurídico são situações distintas. Além de envolver a discussão sobre a lesão de bens jurídicos diferentes, a possibilidade de Vries ter sido baleado como conselheiro confidencial motiva outros debates sobre a garantia de segurança por parte do Estado para testemunhas-chave em processos penais.

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro é professora na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional, e doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.