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Perder a paciência

Artigo escrito por Dom Julio Endi Akamine

11 de Julho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Dom Julio Endi Akamine
Dom Julio Endi Akamine (Crédito: Manuel Garcia (11/7/2019))

Fico admirado com a paciência de algumas pessoas. Às vezes isso me incomoda. Reconheço que esse aborrecimento com os pacientes vem mais de meu desespero do que de uma revolta ética. Na realidade, a paciência não deve ser confundida com a resignação passiva ou conformismo condescendente ao mal. Paciência autêntica é a virtude dos fortes porque ela é própria de quem crê no bem apesar de todas as contrariedades.

Hoje em dia se tornou mais famosa a palavra “resiliência”, que indica a força para resistir ao mal e o superar. A paciência denota mais a constância e a perseverança em meio às dificuldades; a resiliência, a força interior de reagir. As duas, porém, se alimentam da mesma esperança de que o bem, mesmo que tarde, sempre vence. No Evangelho, paciência e resiliência são resumidas numa só palavra: mansidão! Evidentemente essa é uma palavra que hoje se presta a muitos mal-entendidos e manipulações e, por isso, é usada somente no contexto religioso.

Há momentos, porém, em que é preciso saber perder paciência.

Jesus foi misericordioso para além do que se esperava. Muitas vezes escandalizou as pessoas pela sua compaixão exagerada, pois chegava a dar a impressão de leniência com o pecado. Uma coisa, porém, provoca a sua severidade: a soberba de quem se considera justo. Somente esse pecado o impede de dar largas à sua bondade.

Por quê? Porque todos os outros pecados não fecham a alma ao amor misericordioso de Deus. Pelo contrário, podem inclusive ser uma ocasião para uma sincera abertura à misericórdia divina. Os pecadores sabem que merecem o castigo de Deus e têm consciência da necessidade do perdão. Recorde o caso do “bom” ladrão que, mesmo tendo desperdiçado a vida no crime, conseguiu, com o seu último respiro, fazer o caminho de conversão para receber a graça de estar com Jesus no seu Reino.

A soberba, no entanto, fecha a alma e não permite que a graça de Deus entre na vida. Assim o amor misericordioso de Deus se torna impotente diante do homem orgulhoso, que acha que não precisa do perdão nem da compaixão e, pior ainda, acha que merece ser admirado e honrado pela sua própria perfeição. É por isso que Jesus critica duramente os hipócritas que fazem tudo somente para serem admirados pelos outros.

Nos tempos atuais, assistimos ao fenômeno da hipocrisia às avessas. Berman Marshall descreveu com clareza essa nova tendência: “no passado, as pessoas fingiam ser melhor do que eram, agora, ao invés, se fingem pior do que são. No passado, as pessoas diziam ir no domingo à igreja, mesmo quando não iam. Hoje, pelo contrário, as pessoas dizem ir ao cinema porque ficam sem jeito se os amigos descobrirem que foram à missa. A hipocrisia era, no passado, o tributo que o vício pagava à virtude; agora, é o tributo que a virtude paga ao vício”. A hipocrisia às avessas leva a pessoa a lançar mão de formas estranhas para aparecer aos outros mais depravada do que realmente é. É uma hipocrisia nova na aparência, mas sua essência, muito velha.

O livro dos Provérbios diz que Deus resiste aos soberbos. Deus deve resistir aos soberbos porque eles pervertem os dons divinos. Aquilo que é puro dom de Deus, o vaidoso o degrada em mérito e recompensa. Ele distorce a relação de fé: por causa de seus presumidos méritos, tem a petulância de se julgar credor de Deus. Pior ainda. Em vez de usar os dons de Deus para uma vida de caridade, o arrogante abusa deles como motivo de complacência para si e de autopromoção diante dos outros. Para o soberbo não há outro remédio a não ser a resistência de Deus, na esperança de que caia na conta de seu erro e se arrependa. Com o soberbo, só mesmo perdendo a paciência!

Por isso Jesus insiste na humildade: Quem se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado! Ele mesmo tomou resolutamente o caminho da humildade para nos ensinar qual é a via para alcançar a amor de Deus. Ele, que era de condição divina, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte de cruz.

É verdade que eu não sou Jesus para perder a paciência no mesmo sentido. Afinal, o perdão que eu já recebi de Deus me empenha definitivamente no perdão a ser dado a quem me prejudica ou me ofende.

Deus me ajude a saber perder a paciência sem jogar fora a resiliência e o perdão!

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.