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Como diferenciar a Corte Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional

Artigo escrito por Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

07 de Julho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro.
Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro. (Crédito: ARQUIVO PESSOAL)

A Corte Internacional de Justiça (CIJ) e o Tribunal Penal Internacional (TPI) são alguns dos tribunais internacionais com maior visibilidade, mas existem vários, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Tribunal Internacional do Direito do Mar, a Corte Europeia de Direitos Humanos, o Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, entre outros. Não obstante alguns definam de forma simplificada o sistema internacional como “anárquico”, pois não haveria uma jurisdição obrigatória, é fato que a sociedade internacional se torna cada vez mais interligada.

A partir do momento em que um Estado assina e ratifica um tratado internacional que sirva de alicerce para a criação de um tribunal, então esse tribunal passará a ter jurisdição obrigatório para o Estado que ratificou o tratado. Isso não significa que implicitamente as vias de jurisdição interna a depender do caso em concreto, devam ser esgotadas antes de se ingressar com uma ação em uma corte internacional. No entanto, essa situação jurídica não é ad aeternum, pois um Estado pode unilateralmente decidir não mais integralizar um determinado tribunal por meio do mecanismo jurídico da denúncia.

Os Estados Unidos da América (EUA) chegaram a assinar o Estatuto de Roma, tratado internacional constituinte do TPI -- inclusive o presidente democrata Bill Clinton o havia assinado em uma política externa direcionada para o multilateralismo --, entretanto os EUA nunca fizeram parte do TPI. O fato de assinar confere um simbolismo, mas a ratificação que deveria ter sido conduzida pelo legislativo nunca se efetivou. Na situação específica estadunidense o congresso conservador dificilmente o ratificaria.

A principal diferença entre a CIJ e o TPI é que a primeira faz parte da Organização das Nações Unidas (ONU), sendo considerada o seu judiciário, como consequência da Segunda Guerra Mundial. Também é importante enfatizar que a CIJ é herdeira da Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI) que era o judiciário da Liga das Nações ou Sociedade das Nações. Portanto, pode-se dizer que houve uma sucessão internacional entre ONU e sua antecessora. A Liga foi constituída pelo Pacto da Sociedade das Nações, incluído no Tratado de Versalhes, após a Primeira Guerra Mundial em 1919, sendo a primeira tentativa de se criar uma organização internacional de caráter universal. O próprio estatuto da CIJ teve como base a CPJI. Nesses tribunais, somente o Estado pode ser parte na ação, seja como consulta ou litígio.

Já o TPI é resultado de um outro período, depois da Guerra Fria, em que os indivíduos passam a ser considerados também com personalidade jurídica internacional no sentido de poderem ser punidos pelo Direito Penal Internacional. Sem embargo, o TPI não faz parte do sistema ONU. Tampouco está aberto a todos os tipos de litígios. O TPI só julga aqueles que são considerados crimes mais graves: o genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão.

Em realidade, as únicas semelhanças é que ambos se tratam de tribunais internacionais e ambas sedes se localizam em Haia nos Países Baixos, sendo que o TPI se encontra mais precisamente em Scheveningen. A filosofia na criação do TPI é que certos tipos penais seriam tão atrozes que não poderiam ficar impunes. A CIJ e o TPI são criados em momentos históricos diferentes, a primeira no pós-guerra quando foi observado que os direitos fundamentais que se encontravam sob legislação infraconstitucional ou constitucional, não foram suficientes para evitar os resultados produzidos pelo nazi-facismo. Então, a sociedade internacional clama que os direitos humanos deveriam estar sob a égide de tratados internacionais. No entanto, a Guerra Fria desmotiva a evolução dos direitos humanos. O TPI surge em uma perspectiva favorável ao multilateralismo e aos direitos humanos.

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro é professora na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional, e doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.