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CBDC brasileira e seus desafios

Artigo escrito por Mariana Peres Leite

25 de Junho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Mariana Peres Leite.
Mariana Peres Leite. (Crédito: Arquivo Pessoal)

Após o anúncio do Banco Central, no dia 24 de maio, sobre as diretrizes que estão sendo elaboradas para a criação de uma nova moeda digital no País, muitas dúvidas surgiram a respeito de como a circulação desta nova moeda se dará.

É certo que as moedas digitais já se fazem presentes em nosso dia a dia, com o crescente uso das criptomoedas, porém, como a própria característica principal das criptomoedas é a descentralização, ou seja, a “não regulação” por um banco centralizado, ainda pouco se sabe sobre este tipo de transação de forma regulada.

Este é um dos assuntos que permeiam a criação da CBDC (Central Bank Digital Currency), que facilitará, dentre outras coisas, as transações feitas através dos smarts contracts, da IoT (Internet of Things), e propiciará o uso do dinheiro programável.

As intenções anunciadas na nota publicada pelo Banco Central do Brasil foram as melhores: fomentar modelos de negócio inovadores, permitir operações em tempo real, inclusão de novos clientes no sistema bancário, entre outros pontos trazidos.

Porém, há algumas questões a serem levantadas em relação às garantias legais que vêm à tona com a criação da CBDC brasileira.

Por pertencer, nesta roupagem, à um sistema regulado -- o sistema bancário, que é regulamentado e fiscalizado pelo BC --, antes de ser colocada em rodagem, desde sua criação, a CBDC precisará ser objeto de normativos e resoluções que permitam que esta nova moeda funcione em paridade com o dinheiro já existente na sociedade e traga segurança jurídica às operações.

Além disso, as normas já existentes de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FT) também deverão ser atualizadas de modo que contemplem especificamente as previsões relativas à CBDC.

Ainda, no que tange à regulamentação do mercado, temos dois grandes pontos de atenção.

O primeiro diz respeito, em especial, à uma preocupação latente das grandes instituições financeiras, que seria a retirada do dinheiro em papel moeda de circulação e sua substituição pelo dinheiro digital, o que causaria uma diminuição na margem de crédito e financiamentos oferecidos, por exemplo, já que o dinheiro que está em rodagem no mercado seria diminuído.

Outro ponto diz respeito ao dinheiro programável. Nesta modalidade, é possível que o valor fique na conta de seu dono por determinado tempo e, ao final desta data, este valor seja expirado.

Além disso, com relação às transações efetuadas com a CBDC, há uma preocupação no sentido dos rastros deixados em toda e qualquer operação.
Considerando a possibilidade de uso da tecnologia blockchain, que rastreia as operações de moedas digitais de forma detalhada, até que ponto estes rastros são para uma segurança jurídica e em que momento isso passa a ser considerado um abuso? Seria esta moeda um dispositivo mais totalitário, que permitirá ao Estado o rastreio de forma mais fácil?

Por fim, também é preciso ressaltar que, ainda que a moeda nova venha a ser criada em um ambiente que já está submetido à Lei Geral de Proteção de Dados, esta deverá ser observada ainda com mais rigor no ambiente digital.

É bem verdade que a iniciativa do BC vai ao encontro de outras iniciativas ao redor do mundo, bem como à evolução da tecnologia e das relações humanas, contudo, o trabalho para a correta regulamentação que traga segurança jurídica à nova operação ainda é um caminho longo a se percorrer.

Mariana Peres Leite, advogada graduada pela Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI) e especialista em Direito Digital Aplicado pela FGV São Paulo, com atuação em Proteção de Dados Pessoais.