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Território Neanderthal

Artigo escrito por Mário Eugênio Saturno

10 de Junho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Mário Eugênio Saturno.
Mário Eugênio Saturno. (Crédito: Divulgação)

A caverna de Bacho Kiro, na Bulgária, é um labirinto de galerias de quatro andares e revelador da presença humana pré-histórica. Os neandertais ocuparam-na, primeiro, há mais de 50 mil anos, e deixaram suas ferramentas de pedra entre as estalagmites. Em seguida, vieram os humanos modernos, em pelo menos duas ondas. A primeira cobriu o chão da caverna com contas e lâminas de pedra manchadas de ocre, cerca de 45 mil anos atrás. Outro grupo se estabeleceu há cerca de 36 mil anos, com artefatos ainda mais sofisticados.

E esses primeiros humanos modernos que chegaram à Bulgária já tinham herança Neandertal. Como mostra o genoma de uma mulher de pele escura, cabelos e olhos castanhos da caverna Zlaty kun, na República Tcheca, três por cento do DNA dela era Neandertal, que provavelmente veio de um acasalamento mais antigo, ainda no Oriente Médio, não de um contato mais recente na Europa.

Pela primeira vez, estamos obtendo DNA antigo de vários dos primeiros humanos modernos que entraram na Europa, e que revela muito sobre as interações entre esses humanos com alguns dos últimos neandertais na Europa.

Depois que os humanos modernos saíram da África de 60 mil a 80 mil anos atrás, eles acasalaram pelo menos uma vez com neandertais, provavelmente no Oriente Médio cerca de 50 mil anos atrás, como já mostraram pesquisas anteriores de DNA antigo. Esses estudos incluem análises de dois primeiros humanos modernos da Eurásia: um osso da coxa de um homem de Ust’-Ishim, na Sibéria, com 45 mil anos, e o osso da mandíbula de um jovem da caverna Petstera cu Oase, na Romênia, datado entre 37 mil e 42 mil anos atrás. O homem Oase tinha 6,4% de seu DNA de um ancestral Neandertal. Mas ele viveu pelo menos 5 mil anos depois que os humanos modernos chegaram à Europa.

Mateja Hajdinjak e Svante Paabo, do Max Planck Institute for Evolutionary Anthropology (MPI), analisaram os genomas de Bacho Kiro, utilizando uma nova técnica baseada em proteínas. Nesse estudo, os pesquisadores sequenciaram genomas de um molar e fragmentos ósseos dessa camada intermediária e os dataram diretamente de 42.580 a 45.930 anos atrás. Eles também sequenciaram DNA de osso encontrado em uma camada mais jovem e dataram de 35 mil anos atrás. Restos de ambas as camadas eram humanos modernos, mas de diferentes populações, conforme divulgaram na revista Nature.

Os genomas mostram que os três humanos modernos mais antigos em Bacho Kiro eram parentes distantes de um esqueleto parcial de 40 mil anos de Tianyuan, na China, bem como de outros asiáticos e nativos americanos antigos e vivos. Isso sugere que todos eles descendem de uma população primitiva que já se espalhou pela Eurásia, mas cujos descendentes na Europa parecem ter morrido. A linhagem sobreviveu na Ásia, mais tarde dando origem a pessoas que migraram para a América.

As evidências mostram que ao sair da África, os humanos modernos entraram em território já ocupado por neandertais, o que sugere assimilação ou extinção, não necessariamente por confronto direto. Essa primeira onda humana na Europa também foi extinta.

Mário Eugênio Saturno (cientecfan.blogspot. com) é tecnologista sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e congregado mariano.