A nova etapa da identidade digital na União Europeia
Artigo escrito por Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro
O processo de integração regional supranacional da União Europeia (UE) ganha novos avanços com a introdução de uma identidade digital válida para os cidadãos do bloco. Antes de observar o significado de uma identidade unificada, é importante ressaltar o caráter supranacional da UE. O fato de possuir o parlamento europeu mediante eleição de eurodeputados, além de possuir uma moeda única, o “euro”, são algumas das prerrogativas que legitimam avançar para a identidade digital. Não obstante suas inúmeras vantagens, a identidade digital também é um mecanismo de limitação do poder de grandes empresas de tecnologia, uma vez que o objetivo é que o usuário possa compartilhar ele próprio seus dados sem a interferência de empresas. Nesse sentido, por meio de um único login o portador da identidade digital pode acessar os sites da UE de maneira unificada.
A Comissão Europeia, órgão Executivo da UE, apresentou um projeto de uma identidade europeia destinada a todos os residentes e empresas, sendo que a previsão para o uso efetivo da identidade será o próximo ano. A ideia da UE é que os indivíduos tenham controle sobre os dados que compartilham. Segundo a avaliação do professor Bart Jacobs, da Universidade de Radboud -- em neerlandês Radboud Universiteit --, nos Países Baixos, os indivíduos gerenciam as informações sobre si mesmos e podem escolher quais informações fornecerão. Na realidade, alguns Estados da UE já possuem identidades digitais, como o exemplo do DigiD, nos Países Baixos, de uso privado, como um passaporte.
O DigiD pode ser utilizado para o acesso a dados pessoais da educação, saúde, previdência, tanto por nacionais neerlandeses, como também por nacionais de outros Estados membros da UE. Inclusive, pode ser utilizado no exterior em caso de mudança. No entanto, o DigiD não pode ser compartilhado para os outros membros do bloco, portanto é algo mais específico para uso doméstico. O sistema do DigiD tampouco funciona em conjunto com outros, essa é uma das motivações da Comissão para o projeto de lei, ou seja, uma identidade digital supranacional.
A identidade digital é um mecanismo mais amplo que uma identidade tradicional, pois permite a sua vinculação com a identidade nacional, carteira de habilitação, certidões, diplomas, receitas médicas, entre outros. Para o residente se tornará mais fácil provar alguma informação estando em qualquer país do bloco, ou mesmo no exterior. Simultaneamente, há certo interesse para as grandes empresas assegurarem a permanência de seus clientes, a identidade digital fornecerá mais segurança nos dados e uma maior garantia de que não haja uma migração para plataformas europeias.
Para a sua vigência, algumas etapas ainda devem ser seguidas, como consulta legislativa, negociação entre os Estados membros e o parlamento europeu para que de fato se dê a sua aprovação. A estimativa da Comissão é que um acordo seja fechado até outubro de 2022. A partir dessa sequência, será elaborado um plano piloto para a implementação da identidade digital. Uma das características fundamentais da UE é a sua bem orquestrada organização com prazos e metas que corroboram para que ambiciosos passos possam acontecer. O euro foi um dos casos supracitados, mas também é relevante ressaltar as mudanças ocorridas ao longo de décadas de UE no âmbito acadêmico.
A UE por meio de uma negociação com os Estados membros determinou uma mudança nas grades curriculares, principalmente a nível de graduação e mestrado de modo a fomentar o maior intercâmbio intrabloco principalmente entre discentes. A identidade digital somente consolidará um dos procedimentos para o aprofundamento de uma integração regional bem estruturada, em etapas, diálogo transparente com os cidadãos e legítima representatividade por meio de agentes políticos com expertise e que escutam as demandas dos residentes do bloco.
A dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro é professora na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional, e doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.