As empresas sob cerco
Artigo escrito por Celso Ming
Ainda há quem pense que a agenda ESG (em inglês, Environmental, Social and Governance), cada vez mais cobrada de empresas, bancos e instituições para que, em seus negócios, sejam levadas em conta exigências socioambientais, seja onda passageira, coisa de fundamentalistas ou, ainda, de concorrentes incompetentes que pretendem tomar mercado no mole.
A questão deixou de ser puramente doutrinária. Empresas que não mudarem suas práticas perderão dinheiro -- e muito -- ou correm grandes riscos.
Na semana passada, o jornal Financial Times publicou ampla matéria em que denuncia a gigante Nestlé (faturamento de US$ 93,3 bilhões em 2020) de manter no mercado nada menos que 63% de seus produtos com componentes prejudiciais à saúde humana. A revelação baseou-se em levantamentos internos feitos pela própria Nestlé. Também na semana passada, no que está sendo considerado caso sem precedente, a petroleira Exxon (faturamento de US$ 178 bilhões em 2020) teve de aceitar em seu conselho de administração dois ativistas do meio ambiente.
São pressões crescentes às empresas que governos vêm trabalhando para vê-las cumpridas.
Na última quinta-feira, o presidente do Banco da Inglaterra (banco central), Andrew Bailey, deixou de lado os temas puramente monetários para cobrar união de reguladores e formuladores de políticas destinadas a enfrentar ameaças de crises financeiras produzidas por desarranjos climáticos. No mesmo dia, o ex-presidente do Banco Central do Brasil Armínio Fraga advertiu que o derretimento do gelo, que agora pode estar provocando cheia recorde do Rio Negro, pode sepultar debaixo d’água as indústrias da Zona Franca de Manaus.
A BlackRock, que detém carteira de mais de US$ 8 trilhões em ativos, vem pressionando as empresas emissoras desses títulos a assumir o compromisso de reduzir a zero suas emissões até 2050 e a promover a diversidade nos seus conselhos de administração e colegiados.
Como comentado por esta Coluna, há duas semanas, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore avisou que montadoras, petroleiras, companhias de energia elétrica que operam com combustíveis fósseis poderão ser obrigadas a riscar dos seus balanços cerca de US$ 22 trilhões em ativos que deixarão de ter valor com o cumprimento das metas de descarbonização.
Por toda parte, governos de países industrializados vêm impondo prazos para o fim da venda de veículos movidos a combustíveis fósseis. Reino Unido, Bélgica e Irlanda fixaram essa proibição para 2030. A China pretende ter, até 2035, metade dos carros novos movidos a energia limpa. Alemanha e França definiram 2040 como prazo final. E o presidente Biden, dos Estados Unidos, avisou que planeja substituir os veículos federais em serviço por carros elétricos.
Com base nessas decisões ou, simplesmente, por encararem novas condições de mercado, as montadoras apressam o desenvolvimento de veículos elétricos e híbridos. A Volvo e a Volkswagen pretendem ter apenas elétricos em seus portfólios a partir de 2030. A General Motors deixará de vender carros a gasolina ou diesel a partir de 2035. A Mercedes-Benz pretende ser 100% elétrica em 2039.
Enfim, os tempos estão mudando. Quem ficar para trás pode se dar mal.
Celso Ming é jornalista e comentarista de economia.