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Os defeitos alheios

Artigo escrito por Dom Julio Endi Akamine

06 de Junho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Dom Julio Endi Akamine
Dom Julio Endi Akamine (Crédito: Manuel Garcia (11/7/2019))

Procurar os defeitos dos outros pode ser um bom exercício. Para demonstrar isso, iniciemos apontando os defeitos de alguém acima de qualquer julgamento humano: Jesus Cristo. Quais são os seus maiores defeitos? Lendo os Evangelhos, podemos constatar ao menos cinco grandes defeitos: Jesus não tem boa memória, não conhece matemática, não tem bom senso, tem um péssimo marketing e não respeita a meritocracia.

O primeiro defeito de Jesus é o de não ter boa memória. No alto da cruz, o ladrão que estava ao seu lado suplicou: “Lembra-te de mim, quando entrares no teu reino” (Lc 23,42). No momento de desespero de uma vida desperdiçada no crime, com suas últimas forças, recorrendo à sua ultima respiração, um dos malfeitores se dirige a Jesus e lhe pede: “Lembra-te de mim”! Aquele homem não teve uma vida santa, ele mesmo reconhecia que merecia a punição mais dura. Jesus poderia ter respondido: “Eu me lembrarei de você. Pelo que você aprontou nesta vida, deverá passar ao menos 20 anos no purgatório”. Mas respondeu: “Hoje estarás comigo no paraíso”. Não será preciso esperar, não haverá investigação ou processo. Jesus não salva depois de um longo processo de investigação. Ele salva hoje, agora.

O segundo grande defeito de Jesus é o de não ter noção mínima de matemática e de administração de bens. Pior ainda: Ele ensina os discípulos o desprezo pela matemática. Ele, uma vez, declarou: “Quem de vós, tendo cem ovelhas e perdendo uma, não deixa as noventa e nove no deserto e vai em busca da que se perdeu, até encontrá-la?” (Lc 15,4) Ele acha vantajoso pôr em risco noventa e nove ovelhas em vista de uma única perdida. Como a ovelha perdida, assim é cada um: apesar de pecador, sou filho de Deus. Mesmo que seja um só, a perda do filho dói muito no Pai Celeste. Um pecador recuperado causa alegria, pois a relação do Pai conosco não é econômica, mas pessoal.

O terceiro defeito de Jesus é sua falta de bom senso. Ele se compara à mulher que, tendo dez moedas de prata e perdendo uma, acende a lâmpada, varre a casa e busca cuidadosamente até encontrá-la. “E quando a encontra, reúne as amigas e vizinhas, e diz: Alegrai-vos comigo! Encontrei a moeda que tinha perdido” (Lc 15,9). É uma coisa ilógica convidar as amigas para festejar o fato de ter encontrado a moeda de prata perdida. A festa que ela ofereceu certamente deve ter custado mais do que o valor da moeda reencontrada. Nossos sentidos enxergam a multidão, o senso de Jesus percebe a pessoa; para Jesus um pecador convertido é algo valioso que os anjos de Deus recuperam.

O quarto defeito de Jesus consiste em ter um péssimo marketing. Para alcançar sucesso, a lógica é exibir insistentemente as vantagens de entrar num negócio ou de aceitar uma proposta. Jesus, porém, fez o contrário. Para os que o seguiam, Jesus não garantiu sequer o mínimo para a subsistência: nem dinheiro no bolso, nem lugar para reclinar a cabeça, tampouco receber milhões de curtidas. Com isso, declara que a recompensa de o seguir é estar com Ele. A recompensa não está neste mundo, mas na vida eterna que é, no fim das contas, estar com Ele por toda a eternidade.

O quinto defeito de Jesus é o de não respeitar a meritocracia. Para constatar isso basta ler a parábola dos trabalhadores da vinha (Mt 20,1-16). O proprietário da vinha saiu em cinco horários diferentes contratando trabalhadores para a sua vinha. No final do dia ele pagou o mesmo salário a todos. Por isso, os trabalhadores da primeira hora reclamaram: “Esses últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós que suportamos o peso do dia e o calor intenso”. Meritocracia funciona no campo do trabalho, mas Jesus nos mostra que ela não funciona na nossa relação com Deus. Diante de Deus ninguém pode invocar os seus próprios méritos. Jesus destrói a nossa pretensão de querer tornar Deus nosso devedor. Nossa relação com Deus não é a de um plano de fidelidade: vamos acumulando pontos com Deus até termos o suficiente para poder trocá-los por uma recompensa desejada!

Para concluir. Procurar os defeitos alheios pode nos ajudar a cair na conta de nossa cegueira espiritual: achamos que são os outros os errados, quando na verdade somos nós que devemos mudar. Se o comportamento e o modo de pensar de Jesus o chocam, aproveite-se disso para mudar de vida.

Esses cinco defeitos de Jesus foram expostos no livro “Testemunhas da Esperança”, escrito pelo cardeal Francisco Xavier Van Thuan.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.