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Problemas e riscos das moedas digitais

Artigo escrito por Celso Ming

25 de Maio de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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No dia 14 de abril, esta Coluna fez o primeiro comentário sobre o anúncio do Banco Central do Brasil de que prepara a criação da sua moeda digital. Convém examinar eventuais riscos e problemas que aparecerão com a criação de uma moeda nacional no estado virtual.

Nada menos que 41 bancos centrais já avisaram que pretendem emitir a moeda digital que deverá circular com a moeda de cada país. Alguns países, como China, Suécia, Uruguai e Bahamas, estão mais adiantados nos seus planos pilotos. Embora ainda não existam oficialmente, já têm nome, sobrenome e sigla que vale para todas: Moeda Digital do Banco Central (Central Bank Digital Currency, ou CBDC).

Uma primeira preocupação: como ficam os bancos? Entre os objetivos do lançamento de uma moeda digital está a necessidade de facilitar as transações financeiras dos desbancarizados. Um dos problemas que ocorreram diante da necessidade de distribuir o auxílio emergencial foi o de que, no Brasil, segundo estudos do Instituto de Pesquisa Locomotiva, cerca de 45 milhões de pessoas com mais de 16 anos não têm conta bancária. A moeda digital é solução para isso. No entanto, se dispensar os bancos, pode acontecer que, com menos depósitos, todo o sistema financeiro fique prejudicado em uma de suas principais funções -- a da concessão de crédito -- e, assim, todo o setor produtivo pode se ressentir.

Outra questão está em saber como fica o sigilo das operações. Uma das principais justificativas para a criação da moeda digital oficial é a necessidade de controlar operações ilícitas. Entre as razões que explicam o enorme sucesso das criptomoedas (bitcoin, ethereum, litecoin etc.), apesar das baixas recentes, foi a de que a tecnologia blockchain que as abriga garante absoluto sigilo das operações. Daí por que passaram a ser largamente utilizadas por sonegadores, contrabandistas, corruptos, narcotraficantes, financiadores do terrorismo e agentes de lavagem de dinheiro. Os governos querem fechar essa porteira. Como esses controles não figuram entre as atribuições de um banco central, sobra a pergunta se outros órgãos de governo terão acesso a essas informações. E, se isso se confirmar, acabará o sigilo das operações. Além do que, sabe-se lá se, a partir do compartilhamento das informações com outras repartições de governo, o sistema não ficará vulnerável à invasão de hackers. Se os bancos centrais deixarem de garantir o anonimato, as criptomoedas manterão seu principal atrativo para continuarem crescendo.

A circulação dos estoques de moeda digital, aparentemente, será bem mais rápida do que a de papel-moeda. Dá para imaginar quantos dólares e euros em papel físico não estão guardados por aí em forros de colchão. Ou seja, circulam menos, não se transformam com a mesma rapidez em depósitos bancários e daí, para uso de outros agentes. Com isso, a política de controle monetário pode ficar mais complexa e, assim, mais complexa ficaria a tarefa de definir os juros básicos da economia. A propósito, outra razão que levou os bancos centrais a apressar a criação da moeda digital foi a de que o provável crescimento ainda maior das criptomoedas poderá tirar capacidade operacional da política de juros. Como não há experiência com moeda digital oficial, não se sabe por quais mudanças deverá passar a política monetária.

E tem o câmbio. É preciso saber se bancos centrais aceitarão moedas digitais de outros bancos centrais e a que base de troca. É um item que exigirá ampla coordenação entre governos e bancos centrais. A moeda digital será novo fator de globalização.

E como ficará a situação do cidadão ou turista (ou de qualquer empresa) que tiver saldos em moeda digital nacional e precisar pagar uma conta em moeda de outro país. Um dos argumentos usados para apressar a emissão de moedas digitais é o de que baratearia substancialmente as transferências de valores para o exterior, assim reduzindo os custos dessas operações.

Outra consequência da adoção ampla de moedas digitais pode ser a redução da importância do dólar como moeda de reserva. O yuan, da China, é candidato a assumir mais protagonismo.

São mares nunca antes navegados. Não há por que imitar o derrotista Velho do Restelo (de “Os Lusíadas”) que, lá em Lisboa, resmungava aos navegadores que se aventuravam para além do bojador que aquilo só poderia dar errado. Uma penca de problemas terá de ser equacionada antes que a moeda digital desbanque a convencional.

Celso Ming é comentarista de economia.